quinta-feira, 16 de maio de 2013

Rockonha

O outro lado de uma mesma história. O homem que foi traído pela mãe de seus filhos, morto por engano e avilanado por esta que é uma das mais belas canções da música popular brasileira.











Rockonha


Por Rafael Rivas

A visão vai clareando, e Jeremias já pode ver o sorveteiro, os repórteres e os agentes de TV que o filmavam. A adrenalina foi lentamente se neutralizando pela respiração fria do traficante. Jeremias sente cheiro de pólvora e escuta uma risada. Olha para suas mãos, entretanto, sua arma não foi disparada. E à sua frente pode ver o destemido homem a quem chamam de Santo Cristo deitado de bruços no asfalto. E se lembrou de quando era uma criança, e de tudo que vivera até estar ali, em frente ao lote 14, na Ceilândia.


De menino bem criado por família de classe-média à adolescente rebelde e arredio. A vida de Jeremias, um brasiliense caucasiano filho de diplomatas, passou a acontecer quando ele fugiu de casa, indo morar com colegas de faculdade em uma república da UNB. Cursava biologia, mas odiava o curso.

Por ser bem relacionado, andava com os boyzinhos da cidade, praticando pequenos delitos. Só que Jeremias era esperto, sabia que para bancar aluguel, festas e o uso de drogas deveria começar traficar para os amigos. E as festas foram aumentando, o tráfico se profissionalizando, e a “Rockonha”, apesar da repressão militar e da polícia, fazendo sucesso.

Até que um dia apareceu um contrabandista baiano, chamado João de Santo Cristo, que prometia acabar com o tráfico na cidade, junto com Pablo, um peruano que morava na Bolívia. Ele costumava frequentar a Asa Norte, e ainda não se bandeava para a Asa Sul, onde Jeremias dominava. Agora Jeremias já não era o único traficante de renome de Brasília.

Nas festas de rock, João passou a aliciar consumidores, inclusive amigos de Jeremias, e logo já fazia parte de um pequeno bando que roubava. Amador que era, o tal de Santo Cristo caiu no primeiro roubo, e prometeu pegar todos os amigos de Jeremias, que, por serem filhinhos de papai, não foram presos. Santo Cristo, preto e pobre, ficou anos preso. E lá fez sua graduação no crime.

Recluso juntamente com presos políticos, Santo Cristo virou bandido destemido e temido no Distrito Federal. Diziam que não tinha nenhum medo de polícia, capitão, traficante, playboy ou general.


“Você perdeu sua vida, meu irmão! Você perdeu sua vida, meu irmão!”. Jeremias não entendia as ameaças e as conseqüências da proposta indecorosa que recusara. Não iria matar João a pedido de um general, só porque o baiano namorava sua filha. Jeremias estava em Planaltina quando Pablo lhe disse que João de Santo Cristo soubera da proposta do general, e queria conversar de perto. Chegou a hora do enfrentamento inevitável.

Jeremias organizou uma Rockonha e fez todo mundo dançar, a espera do encontro com João. “Jeremias, maconheiro sem-vergonha, tua acha que é crente mas não sabe nem rezar”. João, o ladrão de velhinhas carolas, era mais preto que ele pensava. Como poderia comer todas as menininhas de sua cidade? Santo Cristo lhe chamou pra briga, só que Jeremias viu a Winchester-22 e fugiu, desarmado. Logo depois saiu no noticiário que Santo Cristo fora preso novamente.


O tempo passa e um dia Jeremias conhece uma tão menina linda numa Rockonha, e de todos seus pecados ele se arrependeu. Ela era filha de um general perigoso, que acabara com a vida do último namorado dela. Contudo, Jeremias sempre gostou de perigo, e prometeu eternamente seu coração a Maria Lúcia, casou-se com ela e um filho nela ele fez.


A criança já estava grande quando bate em sua porta Pablo, o primo peruano de João, dizendo que o faroeste caboclo fugira da cadeia, era só ódio por dentro e lhe chamava a um duelo. “Você pode escolher suas armas que ele acaba com você, seu porco traidor. E mata também Maria Lúcia, aquela menina falsa para quem João jurou eterno amor. Amanhã, às duas horas, na Ceilândia, em frente ao lote 14, é lá que ele vai estar!”.

E Jeremias não sabia o que fazer quando viu o repórter da televisão, dando notícia do duelo na TV, dizendo a hora o local e a razão. Ao ver o boletim, Maria Lúcia correu para casa para explicar a Jeremias o que havia acontecido: seu pai, o general perigoso, havia prometido acabar com seu namorado, João de Santo Cristo, porque era caboclo, pobre e contrabandista. Revoltado, depois que foi preso por culpa do general, João rebelou-se contra ela e aos gritos mandou-a afastar-se dele, impondo-lhe a culpa da segunda prisão.

Ao sábado, dia do duelo, Jeremias pegou sua arma por precaução e foi até o lote 14 da Ceilândia para explicar que nada tinha contra João, que tudo não passava de um mal entendido. Apesar de traficante, Jeremias não passava de um boyzinho sem muita coragem. Chegando lá, ultrapassou a multidão, ouviu um tiro seco, uma risada e o povo aplaudindo, em seguida. O sol cegou seus olhos, mas visão vai clareando, e ele já podia ver o sorveteiro, os repórteres e os agentes de TV que filmavam tudo ali. A adrenalina foi lentamente neutralizada pela respiração fria do traficante. Jeremias sentiu cheiro de pólvora, olhou para suas mãos. Entretanto, não disparou com sua arma. João estava deitado de bruços, ensanguentado, e Maria Lúcia correu em sua direção, com a Winchester-22 nas mãos, ajudando-o a se levantar.

“Jeremias eu sô hômi, coisa que você não é, e não atiro pelas costas não. Olha pra cá filha da puta sem-vergonha, dá uma olhada no meu sangue e vem sentir o teu perdão”. E Santo, Cristo com a Winchester-22, deu cinco tiros em safado traidor, que correu revidando os tiros.

Na troca de balas, Jeremias, Santo Cristo e Maria Lúcia foram atingidos; os três morreram baleados no coração.

Por ter matado um traficante de renome, o povo declarou que João de Santo Cristo era santo porque sabia morrer. E a alta burguesia da cidade não acreditou na história que eles viram na TV. E Jeremias não conseguiu o que queria quando veio pro duelo com João ter. Ele queria era falar pra Santo Cristo que Pablo é quem queria lhe fazer... sofrer.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Médicos cubanos, espiões ninjas e a direita paranoica


Jaleco dos médicos-espiões-comunistas-ninjas
cubanos.
Perderam de vez a linha. Acabou-se a vergonha na cara. Eles escancararam a própria ignorância. É impossível que não se sintam ridículos.

A direita pirou. Experimentou maconha, depois que o FHC disse ser bom, e acabou exagerando na dose.

Um em cada cinco médicos cubanos que virão trabalhar no Brasil são espiões comunistas.

Sério? Alguém aí ainda está na Guerra Fria? Estaria a direita precisando de mais medicamentos?

Pois não é. É fato. Cuba, uma superpotência econômica e bélica programa a vinda de médicos-espiões-maçons-iluminatis-comunistas-ninjas cubanos, altamente treinados para dominar, com o PT, o país. A começar pela derrubada da democracia, com fortalecimento da PF, do MP, deixando o Congresso Nacional vetar suas medidas provisórias, o STF condenar seus correligionários, deixando o MPF arquivar denúncias contra opositores. É o apocalipse! Isso e a aprovação do casamento gay.

Agora, vamos ao que interessa. Este post é a última instância elucidativa sobre a questão da vinda dos médicos estrangeiros, e tem, inclusive, um contraponto abaixo, dando direito ao contraditório.

Tirem suas conclusões, dissertem, discutam, debatam, comentem. Tamos aí pra isso.

Tirado lá do http://www.advivo.com.br.



A questão da vinda dos médicos cubanos para o Brasil

Por Pedro Saraiva

Sou médico e gostaria de opinar sobre a gritaria em relação à vinda dos médicos cubanos ao Brasil.

Bom, como opinião inteligente se constrói com o contraditório, vou tentar levantar aqui algumas informações sobre a vinda de médicos cubanos para regiões pobres do Brasil que ainda não vi serem abordadas.

- O principal motivo de reclamação dos médicos, da imprensa e do CFM seria uma suposta validação automática dos diplomas destes médicos cubanos, coisa que em momento algum foi afirmado por qualquer membro do governo. Pelo contrário, o próprio ministro da saúde, Alexandre Padilha, já disse que concorda que a contratação de médicos estrangeiros deve seguir critérios de qualidade e responsabilidade profissional. Portanto, o governo não anunciou que trará médicos cubanos indiscriminadamente para o país. Isto é uma interpretação desonesta.

- Acho estranho o governo ter falado em atrair médicos cubanos, portugueses e espanhóis, e a gritaria ser somente em relação aos médicos cubanos. Será que somente os médicos cubanos precisam revalidar diploma? Sou médico e vivo em Portugal, posso garantir que nos últimos anos conheci médicos portugueses e espanhóis que tinham nível técnico de sofrível para terrível. E olha que segundo a OMS, Espanha e Portugal têm, respectivamente, o 6º e o 11º melhores sistemas de saúde do mundo (não tarda a Troika dar um jeito nesse excesso de qualidade). Profissional ruim há em todos os lugares e profissões. Do jeito que o discurso está focado nos médicos de Cuba, parece que o problema real não é bem a revalidação do diploma, mas sim puro preconceito.

- Portugal já importa médicos cubanos desde 2009. Aqui também há dificuldade de convencer os médicos a ir trabalhar em regiões mais longínquos, afastadas dos grandes centros. Os cubanos vieram estimulados pelo governo, fizeram prova e foram aprovados em grande maioria (mais à frente vou dar maiores detalhes deste fato). A população aprovou a vinda dos cubanos, e em 2012, sob pressão popular, o governo português renovou a parceria, com amplo apoio dos pacientes. Portanto, um dos países com melhores resultados na área de saúde do mundo importa médicos cubanos e a população aprova o seu trabalho.

- Acho que é ponto pacífico para todos que médicos estrangeiro tenham que ser submetidos a provas aí no Brasil. Não faz sentido importar profissionais de baixa qualidade. Como já disse, o próprio ministro da saúde diz concordar com isso. Eu mesmo fui submetido a 5 provas aqui em Portugal para poder validar meu título de especialista. As minhas provas foram voltadas a testar meus conhecimentos na área em que iria atuar, que no caso é Nefrologia. Os cubanos que vieram trabalhar em Medicina de família também foram submetidos a provas, para que o governo tivesse o mínimo de controle sobre a sua qualidade. 

Pois bem, na última leva, 60 médicos cubanos prestaram exame e 44 foram aprovados (73,3%). Fui procurar dados sobre o Revalida, exame brasileiro para médicos estrangeiros e descobri que no ano de 2012, de 182 médicos cubanos inscritos, apenas 20 foram aprovados (10,9%). Há algo de estranho em tamanha dissociação. Será que estamos avaliando corretamente os médicos estrangeiros? 

Seria bem interessante que nossos médicos se submetessem a este exame ao final do curso de medicina. Não seria justo que os médicos brasileiros também só fossem autorizados a exercer medicina se passassem no Valida? Se a preocupação é com a qualidade do profissional que vai ser lançado no mercado de trabalho, o que importa se ele foi formado no Brasil, em Cuba ou China? O CFM se diz tão preocupado com a qualidade do médico cubano, mas não faz nada contra o grande negócio que se tornaram as faculdades caça-níqueis de Medicina. No Brasil existe um exército de médicos de qualidade pavorosa. Gente que não sabe a diferença entre esôfago e traqueia, como eu já pude bem atestar. Porque tanto temor em relação à qualidade dos estrangeiros e tanta complacência com os brasileiros? 

- Até agora não vi nem o CFM nem a imprensa irem lá nas áreas mais carentes do Brasil perguntar o que a população sem acesso à saúde acha de virem 6000 médicos cubanos para atendê-los. Será que é melhor ficar sem médico do que ter médicos cubanos? É o óbvio ululante que o ideal seria criar condições para que médicos brasileiros se sentissem estimulados a ir trabalhar no interior. Mas em um país das dimensões do Brasil e com a responsabilidade de tocar a medicina básica pulverizada nas mãos de centenas de prefeitos, isso não vai ocorrer de uma hora para outra. Na verdade, o governo até lançou nos últimos anos o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab), que oferece salários mensais de R$ 8 mil e pontos na progressão de carreira para os médicos que vão para as periferias. O problema é que até hoje só 4 mil médicos aceitaram participar do programa. Não é só salário, faltam condições de trabalho. O que fazemos então? vamos pedir para os mais pobres aguentar mais alguns anos até alguém conseguir transformar o SUS naquilo que todos desejam? Vira lá para a criança com diarreia ou para a mãe grávida sem pré-natal e diz para ela segurar as pontas sem médico, porque os médicos do sul e sudeste do Brasil, que não querem ir para o interior, acham que essa história de trazer médico cubano vai desvalorizar a medicina do Brasil. 

- É bom lembrar que Cuba exporta médicos para mais de 70 países. Os cubanos estão acostumados e aceitam trabalhar em condições muito inferiores. Aliás, é nisso que eles são bons. Eles fazem medicina preventiva em massa, que é muito mais barata, e com grandes resultados. Durante o terremoto do Haiti, quem evitou uma catástrofe ainda maior foram os médicos cubanos. Em poucas semanas os médicos dos países ricos deram no pé e deixaram centenas de milhares de pessoas sem auxílio médico. Se não fosse Cuba e seus médicos, haveria uma tragédia humanitária de proporções dantescas. Até o New England Journal of Medicine, a revista mais respeitada de medicina do mundo, fez há poucos meses um artigo sobre a medicina em Cuba. O destaque vai exatamente para a capacidade do país em fazer medicina de qualidade com recursos baixíssimos (http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp1215226).

- Com muito menos recursos, a medicina de Cuba dá um banho em resultados na medicina brasileira. É no mínimo uma grande arrogância achar que os médicos cubanos não estão preparados para praticar medicina básica aqui no Brasil. O CFM diz que a medicina de Cuba é de má qualidade, mas não explica por que a saúde dos cubanos, como muito menos recursos tecnológicos e com uma suposta inferioridade qualitativa, tem índices de saúde infinitamente melhores que a do Brasil e semelhantes à avançada medicina americana (dados da OMS).

- Agora, ninguém tem que ir cobrar do médico cubano que ele saiba fazer cirurgia de válvula cardíaca ou que seja mestre em dar laudos de ressonância magnética. Eles não vêm para cá para trabalhar em medicina nuclear ou para fazer hemodiálises nos pacientes. Medicina altamente tecnológica e ultra especializada não diminui mortalidade infantil, não diminui mortalidade materna, não previne verminose, não conscientiza a população em relação a cuidados de saúde, não trata diarreia de criança, não aumenta cobertura vacinal, nem atua na área de prevenção. É isso que parece não entrar na cabeça de médicos que são formados para serem superespecialistas, de forma a suprir a necessidade uma medicina privada e altamente tecnológica. Atenção! O governo que trazer médicos para tratar diarreia e desidratação! Não é preciso grande estrutura para fazer o mínimo. Essa população mais pobre não tem o mínimo!

Que venham os médicos cubanos, que eles façam o Revalida, mas que eles sejam avaliados em relação àquilo que se espera deles. Se os médicos ricos do sul maravilha não querem ir para o interior, que continuem lutando por melhores condições de trabalho, que cobrem dos governos em todas as esferas, não só da Federal, melhores condições de carreia, mas que ao menos se sensibilizem com aqueles que não podem esperar anos pela mudança do sistema, e aceitem de bom grado os colegas estrangeiros que se dispõe a vir aqui salvar vidas.

Infelizmente até a classe médica aderiu ao ativismo de Facebook. O cara lê a Veja ou O Globo, se revolta com o governo, vai no Facebook, repete meia dúzia de clichês ou frases feitas e sente que já exerceu sua cidadania. Enquanto isso, a população carente, que nem sabe o que é Facebook morre à míngua, sem atendimento médico brasileiro ou cubano.


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Por Gisele Katia Camara Oliveira

Os Médicos Brasileiros e Saúde no Brasil 

Boa Noite Nassif, Abro minhas ponderações com uma postagem de minha sobrinha Lívia de Oliveira Antunes, jovem médica, no facebook:"Eu gostaria sinceramente de achar algum ponto positivo na vinda dos médicos cubanos para o Brasil... qualquer ponto que seja... deixando os meus interesses pessoais de lado e pensando unicamente na população que necessita do atendimento, assim eu sofreria menos...

Agora se tratando do fato de eu ser uma profissional da área de saúde e na maior parte do tempo após a minha conclusão ter atuado no sistema público, sei com toda convicção que o problema principal não está na falta de profissionais, mas sim na falta de estrutura para exercermos a medicina...


A verba destinada à saúde se fosse utilizada na saúde resolveria grande parte das angústias de nossa população... triste é que está verba acaba se perdendo nos “paraísos fiscais” nas contas de políticos corruptos, FDPs, desgraçados e sem alma que não se importam em matar muitas pessoas desde que seu patrimônio pessoal esteja em ascensão....


6 mil médicos não resolvem... nem 12 mil... nem 50 mil.... o médico sozinho não consegue salvar vidas... 


Sempre fui completamente a favor da forma de administrar o país pensando nos menos favorecido... sou a favor de todas as “bolsas” e das “cotas” da vida... e, sou uma pessoa que ainda acredito na política...

Agora querer trazer profissionais sendo que o que falta é instrumento para trabalho, pra mim é a mesma coisa de contratar um monte de padeiro, só que problema é a falta de farinha!!!


E se tem a falta de farinha... é pq o entregador FDP descarregou no seu terreno particular!"

A classe médica brasileira está paralisada com a vinda de 6000 médicos cubanos, com diplomas não revalidados no Brasil, sem que tenhamos sido chamados para o debate com o Governo. Sabemos que a postura: não venham os cubanos pois isso é ruim para a classe médica brasileira, não funciona, pois tem algo maior que é o atendimento em saúde da população brasileira. Temos consciência de que se quisermos ser ouvidos e respeitados como classe, precisamos encarar o desafio de  construir  propostas para realmente resolver a demanda de grande parte da população brasileira que não tem acesso a saúde.

Seria o momento de União de todas entidades médicas CFM, CRMs, Sindicatos, FENAM, ANMP para criar uma estratégia conjunta de ação:1) Análise dos reais motivos pelos quais não se consegue fixar médicos em determinadas regiões. (falta de plano de carreira, falta de estrutura de trabalho, falta de acesso a qualificação...)


2) Argumentação mostrando que não basta apenas ter médico para se ter saúde, essa visão simplista na verdade é uma maquiagem para iludir a população e possibilitar os grandes desvios de verbas da saúde.

3) Estudo do percentual de verbas da saúde que é desviado e não chega a população.


4) Criação de uma proposta conjunta considerando  os ítens anteriores para se resolver a ausência de médicos em determinadas regiões, mas que esses venham para trazer saúde não para maquiar a realidade e iludir a população.

5) Colocar toda classe médica para dialogar com o governo no sentido de realmente resolver o problema,  criando um plano de carreira para os médicos do SUS,  utilizando médicos das forças armadas,  o trabalho de recém formados do PROUNI-FIES, fornecendo qualificação continuada aos profissionais de saúde, criando uma estrutura de trabalho adequada...  Que os médicos venham para realmente trazer saúde.
O objetivo primordial de um Governo é proteger seus cidadãos.


Gisele Katia Camara Oliveira
Médica do SUS em Amparo-SP


quinta-feira, 18 de abril de 2013

A Saideira que Evitaria a Segunda Guerra Mundial

A BBC publicou uma reportagem que levanta um fato histórico extraordinário.

Em um determinado período de tempo do ano de 1913, cinco pessoas, que tiveram papéis determinantes na história do séc. XX, moraram no mesmo local. Viena, então capital do Império Austro-Húngaro, hoje capital da Áustria, foi habitada por Adolf Hitler, Joseph Stalin, Leon Trotsky, Sigmund Freud e Joseph Tito.

Pra ler a matéria completa clique aqui.

Stalin 2Agora, num exercício de abstração, imagine que, em 1913, esses cinco caras sentaram numa roda de bar em Viena, tomaram uma cerveja e criaram certo laço de amizade. Hoje se discute bastante nos bares, sobretudo já bêbado, e vemos amigos de reacionários a esquerdistas que debatem, sem contudo perder o afeto entre si. A amizade desses 5 caras possivelmente evitaria a Segunda Guerra Mundial. E muitas outras coisas ruins que vieram depois disso.

Stalin e
 Trotsky não seriam inimigos, e, junto com Lênin, derrubariam o czar e formariam uma república independente, próspera e justa. Tito se tornaria um bom Ministro da Indústria da URSS, e Freud poderia tratar os problemas psicológicos do jovem Hitler, que teria se tornado um bom pintor.

Imagine Hitler sentado no divã de um judeu contando sobre sua infância pobre na Áustria, e como os três marxistas acima lhe ajudaram a reerguer a Alemanha!

Talvez Freud conseguisse curar até von Mises e Hayek - outros dois menos importantes que viveram no mesmo lugar nesse ano -, evitando que décadas mais tarde Allende fosse assassinado e Pinochet provocasse 40 mil mortes, com a ajuda dos EUA (país que sequer teria relevância no cenário internacional).

Seria um mundo mais Viena e menos Holocausto.

Que coisa doida, tantas vidas ceifadas por um ano de cervejada que poderia ter acontecido, mas não aconteceu, infelizmente.


Portanto, bebamos e sejamos amigos, apesar das diferenças ideológicas. Muita coisa pode sair de um debate entre amigos. A troca de experiências e conhecimentos é, talvez, a coisa mais saudável - depois da cerveja - que se possa fazer em sociedade.

Quem sabe assim estejamos evitando a Quarta Guerra Mundial?!

terça-feira, 16 de abril de 2013

Puerpério



- Recomendo aos leitores que não têm estômago nem começar a ler, pois é um texto pesado e forte, apesar do falso-leve do enredo.

Puerpério*


*Puerpério: período pós-parto.

Era quase impossível de acreditar. Após longos anos tentando engravidar, finalmente Simone sentia os primeiros sintomas da tão esperada gestação. Sempre foi magra, e percebia que sua imensa vontade de ser mãe se realizara na medida em que aumentava gradativamente com a dilatação de seu abdômen. Havia 2 meses que sua menstruação não descia. Alberto, seu marido, logo que ficou sabendo da boa nova, tirou um empréstimo no banco pra construir um anexo para o bebê, e com o que sobrou pegou a patroa e foi às compras. Decidiram comprar tudo em cores neutras, pois não sabiam o sexo do bebê ainda. Por ser cedo e a barriga de pouca ampliação, decidiram adiar o pré-natal até poder saber o sexo do bebê. Já com o quartinho quase pronto, Simone passou a se dedicar a aulas de tricô, enquanto Alberto baixava tutoriais e vídeos de como ser pai de primeira viagem. Com o primeiro sapatinho de lã pronto, as paredes pintadas e enfeitadas, e após incontáveis horas de vídeos no Youtube, o casal já se sentia pronto e à vontade com a ideia do filho.

Chegou o que Simone acreditava ser a metade do quarto mês de gestação, pelo tempo de amenorreia. Era hora do tão esperado pré-natal, o dia em que veriam o bebê, ouviriam as batidas do seu coração em ritmo acelerado, suas perninhas e dedinhos, talvez até um pintinho ou a falta dele, indicando o sexo. Alberto queria um menino, torcedor do Avenida como ele. Por Simone tanto fazia, orava por uma criança linda e saudável, embora torcesse em segredo que fosse menina, um pouco por ciúmes outro tanto pelo prazer de contradizer o pai babão. Simone trajou seu macacão, ainda um pouco folgado pela barriga das 15 semanas, pegou o marido e foi ao obstetra para conhecer o mais novo membro da família.

Deitada sobre a maca, com um incontrolável sorriso nos lábios, Simone sente com frio o médico passando o gel sobre seu útero. O Doutor olhou para o ultrassom, coçou a barba desligou o aparelho de vídeo. Percorreu por toda a barriga dela com o estetoscópio, e ela já não aguentava de ansiosa pra escutar o coração do bebê no computador. Lacrimejando, disse ao médico que sentia chutes nos últimos dias, sobretudo à noite, e que mal via a hora de ele, ou ela, nascer e dar seu primeiro grito de liberdade. Desconstruindo aos poucos aquele semblante de obstetra brincalhão, o médico diz em tom baixo, preocupado e quase inaudível: “talvez as notícias não sejam tão boas”. Alberto, aflito, pega no braço do médico e pergunta assustado: “o que há com meu filho, doutor?”. “Este é o problema. Temo que não haja feto no útero de sua mulher”. “Como assim”, pergunta Alberto assustado, enquanto Simone, incrédula, começa a chorar convulsivamente.
- “É um caso raro, se chama pseudociese, ou gravidez psicológica”, prosseguiu o médico. “É um transtorno emotivo, e pode acontecer quando a mulher quer muito ter um filho, ou quando tem muito medo de engravidar. Vou pedir um exame de HCG pra confirmar, mas acredito que a ausência de feto já me dê base pra afirmar que infelizmente não existe bebê no seu ventre. Vou recomendar um psicólogo que sei ser muito bom pra casos como esse”, mas, antes que ele termine de falar, Simone se veste num pulo e sai do consultório às pressas, tendo Alberto em seu encalço. Simone desceu correndo as escadas até dar na sarjeta do prédio, onde acocorou e chorou baixinho, sendo abraçada logo em seguida por um Alberto ofegante.

Passaram-se quase dois meses desde a consulta, que não voltou a acontecer, e Simone contava agora com 24 semanas de gravidez. Os enjoos aumentavam como suas mamas e seu ventre, seu humor oscilava bastante durante o dia, passava as noites em claro. Isso deixava Alberto cada vez mais furioso. Simone teimava em continuar o tricô, jogava pratos no chão gritando, logo depois agarrava-se aos pelos do marido chorando, e se jogava aos seus pés. Mas só ele aceitava que Simone levava na barriga um filho fantasma, um feto inexistente, pois ela se recusou a acreditar no diagnóstico, não via motivos para um tratamento psicológico, decidindo assim a levar a gestação quimérica até o parto. Após uma briga feia, Aberto decidiu sair de casa, com a mesma roupa que trajava, abandonando de vez a mulher pseudográvida e completamente perturbada. Determinada, Simone ia ser mãe solteira, e nem iria registrar o bebê – que agora mais do que nunca ela queria menina – com o sobrenome do pai covarde. Daria o nome de Marlene à criança, nome de sua mãe, pra abespinhar o agora ex-marido, sabendo que eles se odiavam desde sempre. Diria à filha que ela foi gerada por fertilização in vitro, como produção independente por sua imensa vontade de ser mãe, julgava que a filha lhe absolveria, e se emocionava cada vez que pensava nos olhinhos dela ao mamar no seu seio.

Contavam vinte e nove semanas da ilusão que Simone carregava no ventre quando dores fortes tomaram conta de todo seu corpo e uma poça de água se fez no carpete do quartinho da Marlene. “Ainda não está na hora”, ela pensou desesperada. Foi até o banheiro pra pegar a maleta do bebê quando um forte espasmo a jogou pra trás, derrubando-a de sua própria altura e fazendo com que ela batesse com a cabeça na quina da banheira. Minutos depois, ainda com a vista anuviada, Simone acorda, vê sangue na banheira, vê sangue no vestido e percebe que não há mais tempo, a dilatação indica que a criança está chegando. A dor abdominal é insuportável, ela desmaia por segundos algumas vezes até erguer-se num só respiro e sentir algo descendo sobre suas pernas molhadas. Ela agarra no ar e fecha os olhos, erguendo o bebê ainda quente em suas mãos. Esperando ouvir o choro, ela abre lentamente os olhos e percebe que deu luz à sua própria placenta. Uma placenta vazia, pegajosa e nojenta, que ela pega e atira na parede com força, provocando uma explosão de líquido incolor pastoso. Num acesso de raiva e melancolia, Simone atira sua cabeça contra o espelho do lavabo, quebrando-o em vários pedaços. Com as mãos trêmulas, pega o celular que estava sobre o mármore da pia e disca errante para o número de Alberto. O líquido vermelho escorre às bicas pelo seu rosto, pingam de seus cabelos e o telefone fica vermelho de tanto sangue.

Alberto demora propositalmente para atender, pois não quer falar com a ex-mulher. No entanto, mesmo não sabendo do risco de vida dela, e comovido pelo toque cuja melodia era a primeira música que eles ouviram juntos, ele decide atendê-la. “Alô”, ele diz. É tarde: Simone deixa cair de sua mão o celular, cata com cada mão os mais afiados fragmentos do espelho arruinado na cuba da pia, olha no reflexo sua imagem sumindo em uma nuvem negra e numa só investida ataca os próprios pulsos. Ao chão, ela ainda consegue dar o último suspiro de vida ouvindo no telefone: “Simone, meu amor, você está bem?”.







- Apesar de não gostar de explicar o que eu escrevo, deixando assim a livre interpretação, digo que escrevi essa história pensando nas pessoas que ficam cegas por suas convicções, que muitas vezes recusam ajuda e afastam aqueles que as amam por uma obsessão, um objetivo inalcançável.

domingo, 7 de abril de 2013

Crossroads

Duas horas numa fila de supermercado. A operadora do caixa, uma loira baixinha, daquelas gorduchas cujas roupas são menores que seu manequim, mastiga lentamente seu chiclete, com a mesma displicência com que passa os produtos no leitor óptico. O empacotador, que é portador de síndrome de Down, deposita as compras na sacola com extremo esmero, como se estivesse ajeitando taças numa prateleira de cristais. A cena me comove um pouco, a vontade que ele tem de ser útil mesmo com as limitações, comparo meus problemas com os dele, mas faz meia hora que tem apenas dois carrinhos na minha frente e a caixa loira gorducha continua fazendo corpo mole. O careca da minha frente parece menos impaciente que eu, pois deve ter percorrido uns 5 quilômetros de supermercado com a mulher, uma morena de trajes sumários que não para de falar um minuto das duas horas em que estou atrás deles. Ao contrário dos seus cabelos, que sacaram a chatice da tagarela e sumiram há anos, este homem deve ser daqueles resignados por natureza, passivo, apático, pois seu semblante lembra o de um aposentado que espera – ou deseja – a morte. O que está sendo atendido no caixa - um senhor de cabelos grisalhos, magro e adequadamente vestido -, se irrita com o cartão de crédito, pergunta pra filha se foi ela quem estourou o limite, reclama da máquina que não cospe o maldito bilhete azul, do governo que lhe cobra impostos exorbitantes nos produtos, da economia brasileira “que vai de mal a pior”, do ar-condicionado desligado, do aquecimento global, da vontade de mijar. Pergunto-me se comprei tudo, a massa, o molho, o absorvente sem abas da minha mulher, os ovos de páscoa das crianças. Se não, deixo pra outro dia, porque hoje tá difícil fazer qualquer outra coisa a não ser aguardar. E sair da fila pra ficar mais duas horas de fila depois não é uma opção.

Exausto, deposito os braços cruzados sobre o manete do carrinho, deito a cabeça neles e fecho os olhos, respiro bem fundo e sinto tudo em volta sumir. A música, o locutor de ofertas, a tagarela, o reclamão, a filha envergonhada. Aperto os olhos nos braços e começo a ver dezenas de bolas coloridas, como se fossem rosquinhas, abrindo e fechando, um caleidoscópio de cores com uns pontos brancos se abrindo, da mesma forma como brincava de olhos fechados na infância. O murmurinho do mercado todo vai sumindo, dando lugar a um sentimento inédito de paz, algo que nunca havia sentido antes. Até que sinto um cheiro ruim que me obriga a levantar e abrir os olhos. O cheiro vem junto com uma luz muito forte, que não sei se é porque eu estava apertando tanto os olhos e a luminosidade do ambiente me cegou, mas me sinto um recém-nascido que abre os olhos pela primeira vez. Na medida em que minha visão vai voltando a distinguir as coisas, cores e formatos vejo que o careca da minha frente e sua mulher sumiram. O cara chato do cartão, a filha pródiga, a caixa lerda, o empacotador Down, todo mundo some, até quem estava atrás de mim. Olho tudo ao redor, e só há um homem, vestindo terno preto, gravata azul e cabelos negros penteado pra trás. Ele me fita encostado numa parede há uns 10 metros em frente ao caixa. Está fumando um cigarro, e me pergunto quem hoje em dia fuma cigarros num supermercado. Olha como se não fosse surpresa o fato de toda aquela gente ter sumido assim. Olha como se me conhecesse, como se quisesse ter apenas a mim ali, e eu olho pra ele como que perguntando por que só ele e eu permanecemos no supermercado. Deve ser um segurança, e penso que viajei por horas no caleidoscópio coloridos dos meus olhos fechados e agora o mercado tem de fechar. Me parece óbvio um segurança no final do expediente acender um cigarro esperando o último cliente inconveniente sair.

“Boa noite”, ele me saúda, olhando tão dentro dos meus olhos que minha espinha estremece feito bambu verde. “Conheço você?”, pergunto, agarrando forte com as mãos já suadas o manete do carrinho de compras, que está igualmente vazio, como o supermercado a minha volta. “Vim pra te levar pra casa”, ele responde vindo em minha direção, tão malemolente que nem parece passar uma perna sobre a outra, anda como se flutuasse. A voz não parece vir da boca dele também, fala dentro da minha cabeça, o som parece estar colado ao meu ouvido. Num piscar ele já se encontra em minha frente, recostado com o cotovelo sobre o caixa, e continua com os olhos no fundo da Minh‘alma. Pensei: “pronto, pirei!” Em tom jocoso, posto que não cria naquela situação, pergunto se ele é a Morte, mas a resposta dele é ainda mais audaz, com uma voz sedutora: - “Sou o Diabo”. “Então não vou morrer?”, rebato. Deixo transparecer meu nervosismo com a situação. Digo que não tenho tempo para piadas de mau gosto, imagino ser um daqueles programas vespertinos de domingo, procuro as câmeras, o apresentador, minha mulher que deve estar rindo muito de mim atrás de algum biombo, e ele me pega pelo braço; - “Teu tempo acabou. Pra tipos com tu, a Morte apenas não toa”. Sua mão gélida esfria meu corpo inteiro, e já me sinto morto. - “Encarregaram-me deste fardo, carregar almas como a tua direto pro inferno”. A vida nunca me pareceu tão boa quanto agora, que me sinto extinto. - “E qual a razão de o próprio Lúcifer vir me buscar, que vida tão indigna da morte eu tive?”, digo a ele, já resignado.
- A vida de ceticismo, de ateísmo niilista.
- Então o próprio Deus deveria baixar aqui, para que eu fosse então julgado por aquele cuja existência eu duvidava e até mesmo tentava convencer em quem Nele cria.
- E o que sou eu, senão Deus em Sua forma mais pura e sincera? Sou eu, dentre todas, a face Dele que ninguém espera ver quando parte. Sou a parte mais piedosa de Deus, Sua manifestação mais cínica, a expressão máxima da Sua vontade posta em prática.
- E por que não temo mais tua presença?
- Agora tu fazes parte de mim, e o inferno nada mais é do que a inexistência da alma, a morte do espírito, o esquecimento pleno, o nunca ter existido.
- Me parece o esquecimento uma boa forma de deixar pra trás uma vida de incertezas. Passei a vida inteira acreditando que o Diabo era mal por natureza.
- Homens que acreditam saber o que é Deus, o que ele pensa ou diz, falam essas e outras asneiras. Não há anjo decaído, não há alma a ser resgatada. Não existe Deus, não existe o Diabo! Senhor? Senhor? Dinheiro ou cartão, senhor?"
- Hãn?
- Dinheiro ou cartão?
- No cartão. Crédito, por favor.

domingo, 20 de janeiro de 2013

A Remissão




Gilberto era filho de agricultores e tinha três anos quando seu pai, homem rude e de poucas frases, levou a família inteira para tentar a vida na cidade grande. O pai de Gilberto começou fazendo alguns biscates de pedreiro, um ou outro serviço de elétrica, eventualmente algum trabalho mais complexo. Porém, os anos se passaram, o pai de Gilberto ficou velho, e com os anos escassearam os bicos. Ainda não adaptado à vida moderna da cidade, sentindo-se fora do seu contexto, por sua decisão, acabou fazendo a família inteira passar fome e frio. No dia em que Gilberto completou oito anos, seu pai se suicidou no banheiro, usando sua velha arma enferrujada que trouxera do campo. O tiro seco, que Betinho pensou ser um rojão por seu aniversário, mudou a vida dele e de sua família pra sempre.

Embora sua história tenha sido trágica, os traços da personalidade avessa de Gilberto já eram visíveis desde sua infância no campo. Todos já notavam como ele não sentia remorso, como parecia gelado e distante. Não demonstrava sentimentos. Embora seu pai fosse um homem de poucas palavras, Betinho tinha um olhar muito mais remoto. Na época de colégio, quando era flagrado afogando pequenos animais na privada, limitava-se a expressar um sorriso no canto da boca. Tanto eram fortes os indícios da psicopatia de Gilberto que sua mãe era a única que não lhe chamava de “Betinho”, como era de se esperar uma mãe chamar um Gilberto inda criança.

Cresceu e nada de mudar. Na adolescência, criado pela cidade suburbana, cada vez mais desabrido, andava sempre com os “barras pesada”. Era o pior do bando. Fumava desde os 13, e, sempre que podia, praticava alguma maldade a outra pessoa. Roubou diversas vezes. De ricos a pobres. Furtava discos, revistas, quinquilharias de toda espécie, apenas por prazer ou pela adrenalina. Algumas vezes meteu-se a pichar muros, escrevendo seu apelido, “Manson”, alcunha essa nada distante do que realmente era a personalidade do rapaz. Alguns mendigos o conheciam pela sua truculência, violência e rebeldia. Depois que sua mãe morreu de câncer de pulmão, quando não estava preso por algum delito, dormia em albergues ou debaixo de alguma ponte fétida.

Constituiu família, depois de conseguir um ou dois empregos informais. Ébrio habitual espancava eventualmente a esposa e os filhos. Bebia cada dia mais. Estava numa estrada sem retorno para o inferno. Traições, surras, bebedeiras, xingamentos, demissões, prisões; essa era a sua rotina e de sua família. Todos sabiam que esse homem havia sido molestado pelo padrasto, depois que seu pai deu cabo da própria vida. Mas, mesmo entendendo a revolta, ninguém o suportava mais.

Num dia comum, um dos únicos que estivesse totalmente sóbrio, talvez o dia mais lúcido desde que nascera, Gilberto, andando com suas botas de couro velho pelas ruas do centro da cidade, observando tudo e todos a sua volta, percebeu uma situação estranha. Atravessou a Avenida Ipiranga e, com os olhos, acompanhou uma senhora de cadeira de rodas que atravessava contra ele. Repentinamente, tentando subir no cordão da calçada à esquerda da rua, que era muito alto, essa senhora, inclinando seu corpo para trás, virou a cadeira e caiu com o corpo quase que totalmente no meio da rua que atravessara. Ao observar isso, Gilberto virou o rosto e olhou instintivamente para o fluxo da rua, percebendo um carro se aproximava muito rapidamente em direção à mulher. Na certa esmagaria por completo seu frágil corpo. Nesse comenos, que durou quase três segundos, Gilberto correu em direção à mulher, pondo-se a frente do motorista que, logo ao perceber o que se passava, frenou decididamente, derrapou para o lado direito acertando em cheio as pernas de Gilberto, que, com o impacto, foi arremessado há 7 metros. Caiu feito pacote flácido no asfalto e rolou mais uns 3 metros.

Gilberto morreu na hora. Quebrou seu pescoço quando rolou desajeitado pelo chão, com muitas escoriações e diversas fraturas no crânio. Havia uma auréola de sangue em volta de sua cabeça. O motorista conseguiu parar o carro logo depois do choque, antes de causar maiores danos à incolumidade do público que, naquele momento, quedava-se inerte e silente, como se o tempo tivesse parado naquele átimo. A mulher, com a ajuda de outros transeuntes, sentou-se em sua cadeira, após ter assistido deitada a toda aquela cena hollywoodiana. Olhou para aquele corpo estendido e saiu, retornando a seu destino, até então interrompido pelo tombo.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O Mimimi sobre o BBB

Ariadna, ex-BBB (a foto não foi escolhida por acaso)

Sobre o BBB, que está recomeçando hoje, sabemos que, com as postagens no Facebook sobre o programa - como se todos, além de meteorologistas, fossem contratados pelo site EGO -, choverão críticas. Acredito que o exemplo delas vale pra bastante coisa na vida.

Vejamos. O BBB é um programa para maiores de idade. O que é feito lá é com o consentimento dos participantes. Ainda que sejam obrigados por contrato a fazer ou dizer certas coisas, o máximo que podem transgredir são as cláusulas contratuais, nada contra sua liberdade individual ou que tenha feito sob coação. O mesmo pode se dizer de quem assiste. O telespectador não é obrigado a ver, votar ou acompanhar. Embora tudo na Globo, e até em outros canais, seja vinculado de alguma forma ao programa, é de livre escolha de quem está na frente da televisão ver ou não. É o poder do botão vermelho do controle remoto. Sem entrar no mérito da qualidade do programa, se é de bom ou mau gosto, se é imoral e contra os bons costumes ou reflete a realidade da vontade de cada um, se o Bial é ou não um asno que chama os participantes injustamente de heróis, e desconsiderando a curiosidade antropológica da trama – que já se exauriu na segunda edição -, o programa está aí e não vai ser alguns milhares de compartilhamentos dessa rede social que vai mudar isso. Nem xingar muito no Twitter.

Acho bem difícil que alguém não tenha visto e acompanhado ao menos uma edição do BBB, que sejam as primeiras. Bater de frente com BBB é como gritar pra uma parede que a cor dela é feia.

Nossa liberdade é vilipendiada diariamente da mesma forma com que os críticos maldizem à série. Se uma pessoa acha errado que você tenha tatuagem, use alargador na orelha, se vista como uma pessoa do outro sexo, tenha outra orientação sexual diferente ou que divirja da opinião dela em qualquer outra coisa, trata logo de dar o diagnóstico da sua diferença, dizendo ser a dela uma verdade melhor que a sua.

Finalizando, quer ver, veja; quer ler, leia; quer correr pelado na rua, seja um preso feliz. Só não tente impor aos outros suas próprias convicções. Use o bom senso e tente argumentar sem dar um tiro no próprio pé e sair parecendo o idiota que você quis fazer com que o outro parecesse.