quarta-feira, 16 de maio de 2012

A Dança do Silêncio






Foi estranho vê-la assim tão de repente, depois de tantos anos, entre pessoas conhecidas e rostos estranhos. Sua face se iluminava pela fogueira acesa na areia. Ainda era linda, alguns anos mais velha, mas como se fosse a mesma, só que vestindo uma roupa antiga. Seu corpo balançava como as ondas do mar com o ritmo da música do violeiro, aquele sorriso tímido seguindo com os lábios a letra de Redemption Song. Encontrá-la num luau à beira do mar foi realmente muito estranho e inesperado.

Fiquei por alguns minutos de pé, do outro lado da fogueira, fitando seu rosto, que escurecia e se iluminava pelo roçar do vento na fogueira, até que uma amiga do seu lado lhe falou algo no ouvido e ela me olhou. Quando seus olhares me alcançaram, a boca parou de cantarolar, quedou-se pálida e semicerrada, com a língua entre os dentes, sussurrou meu nome e pude notar uma lágrima contida no canto do seu olho esquerdo. Talvez não pudesse crer em tamanho acaso, assim como eu.

O violeiro, seguido de um acordeonista, iniciou Mondo Bongo, do Joe Stummer, que era, para coroar a coincidência, a nossa música, minha e dela. Ela agora já nem sabia mais o que fazer, de tão nervosa. Decidida, passou a mão naqueles negros cabelos longos, colocando-os atrás da orelha, levantou e, ainda me olhando, veio em minha direção. Trajava uma leve saia branca que ia da cintura até os pés descalços, e uma blusa azul turquesa deixando quase aparecer pouco do peito. Atravessou a fogueira e estacionou a um palmo do meu rosto. Com minha mão direita peguei na sua esquerda, que pendia suada e trêmula, deitei o rosto sobre seus ombros, sentindo aquele mesmo perfume de outrora, ergui a cabeça e acenei para trás, indicando minha vontade de dançar um pouco, longe dali. Segurei com minha mão esquerda a sua cintura, dei um passo para trás e começamos a dançar.

Enquanto rodávamos, ela me olhava como se eu fosse um desconhecido, um estranho e misterioso homem que lhe encantara repentinamente. De tanto girar, nos distanciamos da fogueira, sentindo a areia gelada nos pés descalços. A música ia entrando no ritmo dos nossos corpos, já velhos conhecidos. A lua agora era nossa única testemunha, pois as pessoas pareciam não mais estar ali, só a música, a areia, e eu e ela a dançar.

“Latino caribo, mondo bongo, the flower looks good in your hair. Latino caribo, mondo bongo, nobody said it was fair, oh”. Girei-a e agarrei por trás, comprimindo seu corpo no meu. Ela lançou uma risada de liberdade, afastou-se, virou e me olhou nos olhos, com o vestígio do riso na boca. Mordeu o lábio, balançou a cintura de um lado para o outro, colocou o pé esquerdo no joelho direito e caiu sobre mim. Aparei sua queda, ficando meio palmo de boca a boca. A levantei com a brandura da música, cravei minhas digitais na sua cintura e, aproximando minha boca da sua suavemente, senti o que há tempos não sentia: a fragrância adolescente, uma felicidade estranha.

Aquela boca era bem mais que uma boca. Aquele beijo significava muito mais que um simples roçar de lábios. A música acabou, o fogo apagou, o mundo calou, a boca esfriou, a lágrima secou, e o mundo inteiro voltou a rodar. Abri os olhos e me deparei com o rosto dela, pálido e indiferente.

Ela desviou o olhar, olhou para o chão, olhou para as pessoas indo embora, virou-se, mexeu no cabelo e partiu. Nem a lua nos espiava mais. Antes de sair da areia, olhou pela última vez para trás e me viu ali, parado, como fiquei durante algumas horas, até que meus joelhos cansaram e eu sentei. Sentei na areia gelada daquela noite fria, naquele vento intenso daquela cena estranha. Olhei pras minhas mãos, que ainda conservavam o calor do corpo dela, coloquei no meu rosto, passei os dedos nos meus lábios, olhei para o mar e pude ver aquilo que talvez estivesse latente dentro de mim há tempos, aquela verdade velada que me fazia sonhar com esse dia.


Eu sei que eu a amava, e ainda amo. Ela também deve sentir o mesmo. É sempre amor, mesmo que mude. É sempre amor, mesmo que acabe.