segunda-feira, 18 de maio de 2015

Usuário Craque - Sobre Dependência Química e Conflitos Éticos

Li um comentário antigo nesse blog que me fez lembrar duma vez eu criei um outro blog que tratava da questão dos dependentes químicos.

Era como se fosse um diário de um adicto em crack que vivia na rua. O projeto era migrar pra um livro, talvez. Eu era bem mais pretensioso que hoje. No rodapé da página havia um aviso claro de que era ficção, e que a história era uma forma de dar visibilidade a um problema tão presente e tão negligenciado, humanizar os dependentes químicos e mostrar como é em parte a vida nas ruas. Criei um passado de misérias e tragédias pro personagem, mostrando um pouco sobre como pessoas podem buscar fuga pela droga. Criei até o que hoje poderia ser uma hashtag: finalizava as postagens sempre com "TAMUJUNTO". A linguagem do personagem tinha que ser o mais próximo possível de alguém que vivia em condição de rua, na periferia, com gírias e erros ortográficos. Pesquisei sobre os assuntos relacionados, sobre como é essa vida, e até criei um post no blog oficial sobre como exigir do Estado o tratamento pra dependência (Aqui: Conheca seus direitos II)

O blog estourou sem eu fazer muita força. Divulguei pouco, mas logo já tinha quase mil visualizações por dia. Isso em 2009!

Foi aí que eu comecei a receber diariamente e-mails de gente que estava envolvida com minha história, contando seus relatos pessoais, desejando melhoras pro meu personagem. Eu fazia questão de deixar claro pras pessoas que me mandavam seus relatos que trava-se de uma crônica, não de algo propriamente real. Nenhuma me recriminou pelo que eu estava fazendo, algumas até me agradeceram. 

No fim, eram tantos os relatos, tantos e-mails com exemplos e pessoas desejando que meu personagem tivesse força contra o vício que eu entrei num conflito ético. Ao invés de matar meu personagem, consegui pra ele uma internação e ele iria ficar sem contato com o mundo externo por nove meses. Nesse tempo, esperei que os meus leitores tivessem sucesso na luta contra o vício do seus familiares e amigos. No fim, acho que ajudei algumas pessoas, que perceberam o adicto como um ser humano, com problemas e vontades, e sempre citava os nomes dos dependentes sobre os quais eu era informado.

Os comentários do último post me deixaram bem emocionado. Foi o post em que um outro eu, dono da lan house onde o "usuáriocrack" postava no seu blog, depois de nove meses, relatava que a internação teve sucesso e que o blogueiro tinha enfim arranjado um emprego e estava terminando o segundo grau.

Foi em parte bom, apesar de "lucrar" com um problema real (nunca ganhei nada, só uma pequena notoriedade do blog), me ajudou bastante a entender o mundo das pessoas que lutam contra o preconceito em torno dos adictos e contra o vício, seu ou de pessoas próximas.

Aí percebi que #tamojunto, independente de estarmos ou não dentro de uma situação de luta como essa.