quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O Drama de Angélica



Ouve meu cântico, quase sem ritmo, que é a voz de um tísico magro esquelético. Poesia épica, em forma esdrúxula, feita sem métrica com rima rápida.

Amei Angélica, mulher anêmica, de cores pálidas e gestos tímidos. Era maligna e tinha ímpetos de fazer cócegas no meu esôfago.

Em noite frígida, fomos ao Lírico ouvir o músico, pianista célebre. Soprava o zéfiro, ventinho úmido, então Angélica ficou asmática.

Fomos ao médico, de muita clínica, com muita prática e preço módico. Depois do inquérito, descobre o clínico o mal atávico: mal sifilítico.

Mandou-me célere comprar noz vômica e ácido cítrico para o seu fígado. O farmacêutico, mocinho estúpido, errou na fórmula - fez despropósito. Não tendo escrúpulo, deu-me sem rótulo ácido fênico e ácido prússico.

Corri mui lépido mais de um quilômetro num bonde elétrico de força múltipla. O dia cálido deixou-me tépido. Achei Angélica já toda trêmula.

Da terapêutica dose alopática lhe dei uma xícara, de ferro ágate. Tomou no fôlego, triste e bucólica, esta estrambólica droga fatídica. Caiu no esôfago, deixou-a lívida, dando-lhe cólica e morte trágica.

O pai de Angélica, chefe do tráfego, homem carnívoro, ficou perplexo. Por ser estrábico, usava óculos: um vidro côncavo, outro convexo.

Morreu Angélica de um modo lúgubre, moléstia crônica levou-a ao túmulo. Foi feita a autópsia, todos os médicos foram unânimes no diagnóstico.

Fiz-lhe um sarcófago, assaz artístico, todo de mármore, da cor do ébano. E sobre o túmulo uma estatística, coisa metódica, como Os Lusíadas.

E numa lápide, paralelepípedo, pus esse dístico, terno e simbólico:

"Cá jaz Angélica,
moça hiperbólica
beleza helênica,
morreu de cólica!".










Música de Alvarenga e Ranchinho.

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