Ouve meu cântico, quase sem
ritmo, que é a voz de um tísico magro esquelético. Poesia épica, em forma
esdrúxula, feita sem métrica com rima rápida.
Amei Angélica, mulher
anêmica, de cores pálidas e gestos tímidos. Era maligna e tinha ímpetos de
fazer cócegas no meu esôfago.
Em noite frígida, fomos ao
Lírico ouvir o músico, pianista célebre. Soprava o zéfiro, ventinho úmido,
então Angélica ficou asmática.
Fomos ao médico, de muita
clínica, com muita prática e preço módico. Depois do inquérito, descobre o
clínico o mal atávico: mal sifilítico.
Mandou-me célere comprar noz
vômica e ácido cítrico para o seu fígado. O farmacêutico, mocinho estúpido,
errou na fórmula - fez despropósito. Não tendo escrúpulo, deu-me sem rótulo
ácido fênico e ácido prússico.
Corri mui lépido mais de um
quilômetro num bonde elétrico de força múltipla. O dia cálido deixou-me tépido.
Achei Angélica já toda trêmula.
Da terapêutica dose
alopática lhe dei uma xícara, de ferro ágate. Tomou no fôlego, triste e
bucólica, esta estrambólica droga fatídica. Caiu no esôfago, deixou-a lívida,
dando-lhe cólica e morte trágica.
O pai de Angélica, chefe do
tráfego, homem carnívoro, ficou perplexo. Por ser estrábico, usava óculos: um
vidro côncavo, outro convexo.
Morreu Angélica de um modo
lúgubre, moléstia crônica levou-a ao túmulo. Foi feita a autópsia, todos os
médicos foram unânimes no diagnóstico.
Fiz-lhe um sarcófago, assaz
artístico, todo de mármore, da cor do ébano. E sobre o túmulo uma estatística,
coisa metódica, como Os Lusíadas.
E numa lápide,
paralelepípedo, pus esse dístico, terno e simbólico:
"Cá jaz Angélica,
moça hiperbólica
beleza helênica,
morreu de cólica!".
Música de Alvarenga e Ranchinho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário