sábado, 17 de novembro de 2012

My Way


Todos os pelos de Arnaldo se arrepiaram quando, do radinho da cozinha, surgiu a voz grave de Elvis nos primeiros acordes de My Way. Debruçado com a cabeça na mão cujo braço lhe servia de alicerce em cima da mesa em que olhava para uma xícara de café frio, Arnaldo acorda de um sonho que parecia durar décadas. Um sonho cinza. Um misto de lembrança com um frio inédito na espinha tomou conta da memória de Arnaldo, remetendo-o a um momento em que sua vida era muito mais colorida. Rosalinda, sua mulher, que preparava o jantar na cozinha e nem dava bola para música a tocar no radinho, surpreendeu-se quando viu parado na soleira da porta um Arnaldo que há anos não via mais. Ele estava sorridente, com uma alegria verdadeira, um semblante leve, diferente do seu jeito de sempre estar.

“I faced it all and I stood tall. And did it my way”... Rosalinda abre a boca para dizer qualquer coisa quando é interrompida pelo marido, que de súbito põe o dedo indicador sobre seus lábios, pega sua cintura, cola a testa na dela e, balançando, a convida para dançar. Ela solta o corpo há anos tenso sobre os braços dele, como há muito tempo não ousava dar. E ele, enrijecido pelos anos como os calos que surgiram em suas mãos, tem um olhar cheio de ternura e graça que cheira a guardado de tão obsoleto. De tanto ele maldizer a vida ela já nem sonhava mais, mas sua carne tesa, já macilenta pela falta de calor no sangue, retornou-se jovem e se enrubesceu. Então enfim ela ouviu a música, e se lembrou do tempo que havia no sorriso de Arnaldo. Um tempo que só quem viveu recorda em tais tonalidades. O calor dos braços aumentava a cada subida do timbre grave de Elvis, até que soam os metais e ela começa a girar desatada.

De mãos dadas, saíram os dois pela rua rodando, dançando a música que só eles escutavam. À luz da praça, sob o véu da lua, dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou. Foi tão grande a felicidade que a cidade inteira se iluminou. Deram tantos beijos loucos, tantos risos roucos, como não se ouvia mais. E o mundo compreendeu. E o dia amanheceu em paz.









Baseada na música "Valsinha", do Chico Buarque com Vinicius de Moraes e título e trecho da "My Way", interpretada por Elvis Presley.

Elvis Presley Live - My Way

http://www.youtube.com/watch?v=2e3CFIHCe8M

Valsinha - Chico Buarque

https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=6u4FK_Z5298

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Lentes, Esquizofrenia e Mensalão.

Acredito que muita gente já assistiu algum filme com tecnologia 3D, com aqueles óculos que faz as imagens saírem das telas para quase nos tocar.
Se você colocar óculos de lentes azuis, por exemplo, verá tudo a sua volta também ficar em vários tons de azul.
Nos dois exemplos, vemos como coisas exteriores aos nossos sentidos podem determinar a maneira como percebemos a realidade. Tudo que vemos faz parte do que está fora de nós; mas o modo como enxergamos também é determinado pelas “lentes dos óculos”. Entretanto, não podemos dizer que o mundo a nossa volta é azul por causa dos óculos, ou que a imagem do filme é realmente tangível pela tecnologia das câmeras.

Tiramos primeiras - segundas, terceiras - impressões das coisas, até mesmo as que testemunhamos. Isso porque a razão trata de impor significado àquilo que os sentidos determinam ao cérebro, e essa definição passa pelo que acreditamos que deve ser. E é justamente por isso que nossa razão e nossos sentidos são falhos! Nós não somos placas que registram tudo imparcialmente.

Daí vem nossa virada de Copérnico, e percebemos que, na verdade, é a Terra que gira em torno do sol, e não o contrário.

Nunca saberemos ao certo, com 100% de certeza, como as coisas “são em si”, apenas como elas “se mostram” para nós. Usamos sempre nossos óculos de realidade aumentada e adequada (e, às vezes colorida), e é inevitável não tomar partido.



Todo esse exemplo vale para o caso da recente e crescente onda de louvar e tornar herói o “algoz dos mensaleiros”, o douto ministro do STF Joaquim Barbosa. Ao invés de usar lentes que aumentam nossa visão crítica, colocamos as lentes coloridas, que atrapalham o sentido das coisas em si, e interpretamos as coisas como queremos ver. Muitos taxaram o ministro como herói, desconhecendo que ele também é, em parte, o grande vilão por essas mesmas lentes.
Sim, é herói e vilão ao mesmo tempo. É Batman e Coringa, gato e rato, contra e a favor de “mensaleiro”. Recentes declarações do ministro nos mostram que ele votou no Lula, desde as eleições contra o Collor, votou na Dilma e é contra a pressão midiática que se fez contra o “Mensalão petista”. Além disso, disse que no Brasil há muito racismo, que o empresariado é branco e conservador (justamente quem lhe chama de herói). Declarou que a mídia empurrou a Ação 470 para o foco como “maior esquema de corrupção do país”, esquecendo-se de outros não tão importantes (aos patrocinadores), mas tão grandes quanto.

As lentes coloridas, sejam vermelhas ou azuis, deturpam certos fatos, atos e conceitos, adaptando e, muitas vezes, afastando da razão o que é captado pelos sentidos. No mesmo sentido da metáfora da realidade que é filtrada pelos óculos, temos também algumas doenças psicológicas, que criam fantasias na mente de alguns indivíduos. Esquizofrenia é uma delas. Para os esquizofrênicos, a realidade é diferente, a agudeza das coisas vem desviada por algum lugar do cérebro que insiste em transformar o visto com o imaginado.

Isso acontece a algumas pessoas sãs também. Elas vão além das lentes. Usam os óculos coloridos ou em 3D e são esquizofrênicas. Pegam um fato - um acontecimento, uma informação superficial -, filtram pelo seu senso viciado de realidade, modelam de acordo com sua imaginação, daí saem lutando contra moinhos de vento.
E pra esses não adianta falar que a Terra é só mais um pedaço de pedra que gira em torno do Sol; eles tentarão te queimar numa fogueira!

sábado, 7 de julho de 2012

Bullying, Vitimização e a Influência Norte-Americana na nossa Juventude





Imagine a cena: um adolescente desengonçado - espinha na cara, óculos de grau, sem muita vida social e particular interesse em computadores -, o famoso loser, se apaixona  à primeira vista pela garota mais popular da escola - normalmente uma loira, olhos claros, líder de torcida, geralmente fútil e que o despreza profundamente -, que namora o bonitão e musculoso - esportista, popular entre as outras garotas e que vai ganhar uma bolsa de estudos por ser o melhor do esporte popular que pratica. O loser, ou o destino do roteiro, consegue um jeito de se aproximar da gostosa por causa das más notas da garota fútil, dando aulas de reforço. O gostosão popular não gosta, então passa a humilhar o nerd/geek/loser de várias maneiras ao longo da trama. Esse é o enredo de 90% dos filmes do cinema hollywoodiano voltados para os adolescentes.

Muitos já perceberam que nossa juventude atual não consegue lidar com certas situações de pressão, seja na escola, na família ou no trabalho. Geralmente, quando uma pessoa mais “forte” (física, hierárquica ou psicologicamente) coage um jovem pratica certo tipo de “crime” ou atitude reprovável, algo que deve ser reprimido. É o chamado bullying. Por prepotência, problemas familiares ou pura demonstração de força, muitos jovens rebaixam colegas, principalmente os que são visivelmente mais “fracos”. O problema é que, quanto mais os “fracos” se fragilizam, mais os prevalecidos se fortalecem.

Essa onda de agressões físicas e psicológicas parece ser algo novo pra nós, um desafio a ser enfrentado pelos pais e educadores. Antigamente, apesar de também existir esse tipo de violência, as “vítimas” não tinham tanta tendência ao suicídio, homicídio, chacina ou à depressão. Ou pelo menos não em maior número e maiores tragédias.

Aqui pelo Brasil, acho que isso é causado pela soma de alguns fatores. Li esses dias um post interessante que falava sobre a maneira como os jovens e adolescentes de hoje são mais suscetíveis à depressão por bullying. Dizia o autor que responsável por essa onda de vitimização é a mudança de fórmula no Merthiolate, que agora não arde mais. Bom, tirei uma conclusão um pouco diferente, apesar de a metáfora ser ótima.

Há décadas estamos sendo bombardeados por uma influência grande da mídia norte-americana na nossa televisão e cinema. São filmes, séries, canais de TV a cabo, além de uma grande dominação linguística, neologismos, anglologismos e etc. É uma conhecida fórmula de colonização através da cultura e da língua, pois, desde os gregos, o idioma e os hábitos dos “mais civilizados” sempre foram uma boa forma de unir colônias e povos “inferiores” ao Império, torná-los bons selvagens, servos pela sedução, quando não pela coerção.

A questão é que nossa televisão aberta passa apenas filmes de procedência americana. No máximo, alguma produção cinematográfica estrangeira premiada em Hollywood que passa na nossa programação televisiva por consentimento das grandes mídias. Portanto, com o passar das décadas, absorvemos a cultura norte-americana, tornamos ela um referencial. Passou a se buscar uma correspondência à personalidade “superior” dos estadunidenses, sendo eles “mais civilizados” e evoluídos que nós (segundo um americano aí, enquanto eles brincavam com novas tecnologias, nós brasileiros brincávamos na lama, daí os bons jogadores de futebol). Não faltam exemplos de como é a visão dos norte-americanos sobre nós, nem de como exaltamos a cultura deles, em detrimento da nossa.

As produções de cinema da nossa televisão mostram a importância da imagem individual dos atores sociais no padrão norte-americano, aquilo que eles têm de ser para os outros: populares, superiores, competitivos, mormente para o ambiente da escola, num primeiro contato com a vida social, fora do núcleo familiar tradicional e do âmbito dos amigos próximos.

Assim como eles, nossos atos têm se resumido a uma caça pela correspondência desse modelo de estrutura social. No caso em comento, nos colégios, os valentões e os oprimidos agem de acordo com o que veem nos filmes americanos, seja no âmbito psicológico particular, seja nas tragédias.

Por óbvio, os filmes americanos só retratam (e talvez abusem da fórmula) a realidade existente por lá, em que alunos que sofreram humilhações públicas invadem escolas com metralhadoras para matar seus colegas “malvados”, se suicidam, ou, na melhor das hipóteses, se entopem de remédios. Lá existe uma cultura bélica muito forte, porquanto é uma nação que, desde sua independência, passou poucos anos sem uma boa guerra. Desse modo, nossas influências acabaram por demonstrar que estamos absorvendo essa cultura imperialista norte-americana de uma maneira muito mais forte do que se pensa.

É patente a influência dos padrões norte-americanos nos jovens das últimas gerações, tanto que muitos se identificam com “Glee” e outros tantos filmes e séries de cunho moral, que se iniciam basicamente na década de 80. De 1950 a 1979 os jovens e a cultura de lá eram um pouco diferentes.

Muitos se sentem subjugados pelos “valentões”, ao ponto de exigirem uma vingança em igual proporção, ou muito maior ao agravo, por questões psicológicas. É o caso do assassino do Realengo, que descobriu-se ter sofrido bullying no colégio.


Existem também aqueles que não consegue lidar com a situação de humilhação no seu meio social, e, por não terem contato íntimo com os pais, familiares ou educadores (leia-se instrutores), acabam ficando sem ter a quem recorrer; apelam comumente às drogas, à criminalidade, à depressão e/ou suicídio, como uma forma de autodestruição, autoflagelação e eliminação do sofrimento. Sentem-se, em parte, culpado pela própria fragilidade e pela violência que sofrem.


Isso deve-se a uma vitimização, uma fragilidade excessiva na personalidade das pessoas. E não só nos jovens; tudo vira ameaça, ofensa, dano moral, assédio. Ninguém mais pode pedir uma sopa nova num restaurante por causa de uma mosca que caiu lá acidentalmente, querem enriquecer alegando que nunca mais vão tomar sopa em razão do infortúnio. Não há mais bom senso, razoabilidade.


É por causa disso que os consultórios de psicólogos e psiquiatras estão lotados de pessoas que apenas não sabem lidar com a vida, com a realidade, que necessitam amorfinar-se, desligar-se do sofrimento. Acham a realidade dura demais, o sofrimento algo a ser evitado ao extremo, em prejuízo da saúde mental. Um mundo que antes era cor-de-rosa e agora ficou preto e branco, e dá-lhe remédio pra maquiar a dor e o pesar. As pessoas não são estimuladas a viver e conviver com o sofrimento. "Toma um remedinho tarja preta que passa". E com isso os médicos inescrupulosos financiados pela indústria farmacêutica vão lucrando bilhões, mantendo as pessoas sedadas e inertes à própria dor.

O sofrimento é necessário, o luto é fundamental, a dor ensina, já diriam os clichês.

Boa parte desse sentimento de fragilidade provém dessa cultura vazia do culto à imagem, propalada principalmente pelos norte-americanos e que nos chegam pelos filmes. Estão construindo uma geração de “mariquinhas” (estou falando de vítimas, não de homossexuais), gente tão preocupada com a própria imagem que é capaz de agredir, humilhar, assim como, pela humilhação sofrida, exigir vinganças cinematográficas e banhos de sangue.

É a influência da cultura norte-americana, a importância da própria imagem que eles fizeram o favor de propagar - e nossa mídia fez o desfavor de reproduzir. Se lá estão construindo uma cultura para vender antidepressivo e tarjas-pretas - inclusive a crianças e adolescentes - é questão pra outro tópico. Mas que estamos cheios de “mimimis” e ficando “dodóis” por pouca coisa, isso sim, estamos. E muito! É nos jovens que isso pode cessar.

Por isso, diga não ao bullying, não seja uma vítima. Ignore! Se há agressão física, denuncie. Polícia serve pra isso. Autoridades servem pra isso. A justiça é um meio, quando há grave dano. Mas não algo suportável.

Se aconteceu alguma coisa passível de "dano moral", pense mesmo se é um dano, se afeta mesmo seu sistema psicológico. Tem coisas que acontecem por engano, por erro, por descuido, e que podem ser coibidas com uma simples advertência.

Se você sofre assédio moral no trabalho, denuncie, mas não se abale. Ou quem pratica é um babaca, ou você não tem aptidão pro que tá fazendo e pode procurar um emprego que melhor se adapte às suas habilidades e possibilidades. Às vezes as pessoas têm razão, e somos mesmo peixe no aquário errado.


A vida é dura, ninguém disse que seria fácil.


A evolução se dá não nos que apenas sobrevivem, mas nos que melhor se adaptam às adversidades.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A Dança do Silêncio






Foi estranho vê-la assim tão de repente, depois de tantos anos, entre pessoas conhecidas e rostos estranhos. Sua face se iluminava pela fogueira acesa na areia. Ainda era linda, alguns anos mais velha, mas como se fosse a mesma, só que vestindo uma roupa antiga. Seu corpo balançava como as ondas do mar com o ritmo da música do violeiro, aquele sorriso tímido seguindo com os lábios a letra de Redemption Song. Encontrá-la num luau à beira do mar foi realmente muito estranho e inesperado.

Fiquei por alguns minutos de pé, do outro lado da fogueira, fitando seu rosto, que escurecia e se iluminava pelo roçar do vento na fogueira, até que uma amiga do seu lado lhe falou algo no ouvido e ela me olhou. Quando seus olhares me alcançaram, a boca parou de cantarolar, quedou-se pálida e semicerrada, com a língua entre os dentes, sussurrou meu nome e pude notar uma lágrima contida no canto do seu olho esquerdo. Talvez não pudesse crer em tamanho acaso, assim como eu.

O violeiro, seguido de um acordeonista, iniciou Mondo Bongo, do Joe Stummer, que era, para coroar a coincidência, a nossa música, minha e dela. Ela agora já nem sabia mais o que fazer, de tão nervosa. Decidida, passou a mão naqueles negros cabelos longos, colocando-os atrás da orelha, levantou e, ainda me olhando, veio em minha direção. Trajava uma leve saia branca que ia da cintura até os pés descalços, e uma blusa azul turquesa deixando quase aparecer pouco do peito. Atravessou a fogueira e estacionou a um palmo do meu rosto. Com minha mão direita peguei na sua esquerda, que pendia suada e trêmula, deitei o rosto sobre seus ombros, sentindo aquele mesmo perfume de outrora, ergui a cabeça e acenei para trás, indicando minha vontade de dançar um pouco, longe dali. Segurei com minha mão esquerda a sua cintura, dei um passo para trás e começamos a dançar.

Enquanto rodávamos, ela me olhava como se eu fosse um desconhecido, um estranho e misterioso homem que lhe encantara repentinamente. De tanto girar, nos distanciamos da fogueira, sentindo a areia gelada nos pés descalços. A música ia entrando no ritmo dos nossos corpos, já velhos conhecidos. A lua agora era nossa única testemunha, pois as pessoas pareciam não mais estar ali, só a música, a areia, e eu e ela a dançar.

“Latino caribo, mondo bongo, the flower looks good in your hair. Latino caribo, mondo bongo, nobody said it was fair, oh”. Girei-a e agarrei por trás, comprimindo seu corpo no meu. Ela lançou uma risada de liberdade, afastou-se, virou e me olhou nos olhos, com o vestígio do riso na boca. Mordeu o lábio, balançou a cintura de um lado para o outro, colocou o pé esquerdo no joelho direito e caiu sobre mim. Aparei sua queda, ficando meio palmo de boca a boca. A levantei com a brandura da música, cravei minhas digitais na sua cintura e, aproximando minha boca da sua suavemente, senti o que há tempos não sentia: a fragrância adolescente, uma felicidade estranha.

Aquela boca era bem mais que uma boca. Aquele beijo significava muito mais que um simples roçar de lábios. A música acabou, o fogo apagou, o mundo calou, a boca esfriou, a lágrima secou, e o mundo inteiro voltou a rodar. Abri os olhos e me deparei com o rosto dela, pálido e indiferente.

Ela desviou o olhar, olhou para o chão, olhou para as pessoas indo embora, virou-se, mexeu no cabelo e partiu. Nem a lua nos espiava mais. Antes de sair da areia, olhou pela última vez para trás e me viu ali, parado, como fiquei durante algumas horas, até que meus joelhos cansaram e eu sentei. Sentei na areia gelada daquela noite fria, naquele vento intenso daquela cena estranha. Olhei pras minhas mãos, que ainda conservavam o calor do corpo dela, coloquei no meu rosto, passei os dedos nos meus lábios, olhei para o mar e pude ver aquilo que talvez estivesse latente dentro de mim há tempos, aquela verdade velada que me fazia sonhar com esse dia.


Eu sei que eu a amava, e ainda amo. Ela também deve sentir o mesmo. É sempre amor, mesmo que mude. É sempre amor, mesmo que acabe.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Perfume de Pólvora




“Cadê o Geraldo, cadê o Geraldo?”. Escuto meu nome ser proferido aos berros do lado de fora da minha porta, mas não entendo por quê. Levanto e vou até à porta pra ver do que se trata. Abro a porta, saio confuso e sinto algo gelado forçando minha têmpora direita. Minha retina volta o foco, e na minha frente está minha secretária ajoelhada e um homem de capuz preto na cara, que segura uma arma contra a nuca dela. Ainda sem entender o que acontece, olho pra direita pra tentar achar a coisa que incomoda minha cabeça: é outra arma, outro bandido de capuz preto na cabeça. Ele diz "Ajoelha", e minhas pernas obedecem antes da cabeça mandar. "Tu que é o Geraldo?", ele grita, e antes de eu responder, Melissa de súbito aponta pra mim e diz "É ele!", delatando que sou o gerente do banco e o único que pode dar o dinheiro que eles querem.

Tantos anos sendo minha secretária e nunca pensei que ela me trairia desta forma. O verdugo que a mantém genuflexa me olha e diz: "É ele", apertando em seguida o gatilho da arma que estava sobre a cabeça de Melissa: BLAM! O barulho seco do tiro abafado pelo crânio dela deixa o som das vozes abafadas, por alguns segundos só escuto um zunido. A luz intensa que sai do cano da arma deixa minha vista branca e o cheiro do sangue, da carne e da e pólvora me baixam a pressão instantaneamente.

Como cheguei até aqui? Esta é a vida que eu imaginei ter? Eu queria ser bombeiro. Era apaixonado por caminhões de bombeiros e suas sirenes, me imaginava de farda, combatendo o fogo. Sempre que brincava com meus amigos eu era quem salvava as vítimas. Depois pretendi ser médico, salvar pessoas, me tornar pediatra - ou geriatra -, resolveria problemas graves. Abandonei a ideia no segundo semestre da faculdade, mas foi lá que eu conheci meu primeiro e verdadeiro amor, Cíntia. Ela era linda, tão tímida que encantava qualquer um. Fazia enfermagem, só que sonhava mesmo em ser médica, pediatra ou geriatra. Foi aí que me apaixonei, mesmo que desapaixonara da medicina. Acho que permutei as paixões. Saímos algumas vezes até eu perceber que ela também estava apaixonada - apesar de eu ter desperdiçado um sonho que era dela. Comecei a estudar administração, pois ainda estava à deriva e não sabia bem o que iria fazer da vida após ter o sonho interrompido pela desilusão. Comecei estagiando em bancos, e fui aprendendo com meus amigos a praticar pequenos furtos. Me formei, fui efetivado em um grande banco, mas, depois que Cíntia descobriu meus planos de fazer um golpe grande, terminou nosso relacionamento e nunca mais nos vimos. Disse que não me conhecia, que eu não era quem ela pensava ser, um altruísta, filantropo, alguém ético e correto. Eu queria poder, dinheiro, posição, era e sempre fui ambicioso. Ela nunca entenderia, por ser inocente e ingênua demais. Esse é um mundo de Geraldos, não de Cíntias.

Por já ter certa posição no banco e conseguir muito dinheiro desviando aposentadoria de velhinhos, casei com a filha de um influente senador. Ele me promoveu a gerente do setor de empréstimos da maior agência do banco no estado, o que me deu margem para desviar grana grande. Foi uma maneira de o senador dar melhores condições de vida à sua filha, indiretamente. Contudo, apesar de estar feliz com minha vida financeira, nunca fui feliz com minha esposa arranjada. Ela também não deve ter sido, pois foi praticamente forçada a casar-se comigo. Tivemos apenas um filho, que parou de estudar quando foi para uma universidade na Holanda e agora é um drug dealer na zona vermelha. 

Se arrependimento matasse… ou melhor, se arrependimento evitasse que a gente morresse como agora vai acontecer comigo! Eu viveria outra vida. Aliás, eu voltaria a viver a vida antes do primeiro desvio, antes do primeiro golpe, encontraria Cíntia e tentaria mostrar o que estou sentido agora, no momento em que estou para morrer. Diria que sinto novamente meu amor por ela, o quanto estive errado e como minha vida foi de fato da forma como ela prognosticou naquele dia em que nunca mais a vi.

Queria tanto não morrer agora, como Melissa, que foi sumariamente descartada por não ser quem essa gente procurava. É assim que um homem arrependido deve morrer, pelas mãos de assassinos frios que só querem dinheiro?

Recobro minha vista com um tapa na cara, e o sujeito me manda levantar. Querem que eu abra o cofre. Tento dizer que não tenho a chave, mas eles mostram saber mais da minha vida que minha própria esposa. Pego a chave codificada. Há cinco milhões de reais no cofre do banco. Com esse dinheiro eu poderia dar uma vida de rainha pra Cíntia, fazer dela a mulher mais feliz do mundo, pra que ela me fizesse o homem mais realizado. Pagaria sua faculdade de medicina, se ela já não fosse médica, e ela se tornaria geriatra, ou pediatra, e cuidaria de mim quando envelhecêssemos, e teríamos dois filhos com os olhos dela, uma casa de campo na serra, uma poltrona confortável à beira de uma lareira. Mas esse dinheiro agora não poderia mais ser meu, nem do banco, nem dos verdadeiros donos, pois os homens encapuzados (que conto por alto serem cinco, portanto um milhão para cada, o que seria justo, uma vez que assaltam juntos o maior banco do estado, cujo gerente é um dos homens mais sujos do país) agora vão levar sem nenhum esforço. Enfio a chave trêmula, giro e estalo! Trinta e dois pra direita, sessenta e cinco pra esquerda, estalo! Setenta pra direita, vinte e quatro pra esquerda, estalo! Trinta e nove pra direita e, e, e... e qual é a porra da última dezena? Cinquenta e cinco? Cinquenta e seis? "Vai duma vez, caralho. Foda-se, vou explodir essa merda", diz o mais impaciente deles. Ele olha pra mim com raiva, fecha o rosto. Reluz no vidro dos seus olhos um brilho intenso: BLAM! O brilho é do fogo da arma que ele apontava pra mim, e que agora empurra a mão dele contra seu corpo. O barulho da explosão ecoa entre minhas orelhas, e sinto um doce perfume misturado à pólvora e à fumaça: é o cheiro do sangue que me escorre pela face.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Aos Braços de Morfeu





Por Laura Carvalho

Um grito me despertou no meio da madrugada. Acordei assustada: “De onde vem esse grito?” – pensei. Ainda trôpega de sono, olhei pela janela: tudo em paz. Silêncio no quarto e na rua, nenhum movimento a não ser meu peito descompassado. Confusa, voltei para a cama, ainda com ecos daquele grito na mente. Quando consegui relaxar e estava para ultrapassar aquela doce fronteira que separa o sonho da realidade, encontrei a fonte do grito: era minha alma, que tão profundamente tocada, ao se ver sozinha, clamara por quem a marcou.

Com olhar distante, ela me indagou: “Por que fizeste isso? Como podes me expor a semelhante sublime maldição? Eu, que sou tua essência, tua guia, teu ser. Agora me ofereces um encontro apenas na fluidez das quimeras? E se quando acordares ele não estiver lá? Vais sofrer e eu junto, com a lembrança de um sonho a escapar-te a medida em que despertas”.

“Tola” – respondi-lhe. Acaso não sabe que duas almas quando se tocam já não são dois elementos isolados, mas duas partes de um todo único e indissolúvel?  Ele vai estar comigo a cada sorriso que outros enxergarem em meu olhar, a cada pensamento suspirado, a cada desejo contido até o momento de nossos corpos se encontrarem novamente. E quando a saudade não couber mais no peito, a ponto de extrapolar as barreiras, vou te enviar ao encontro do nosso elemento perdido finalmente encontrado, aquela parte dele que, de tão igual a ti, te causa tal abstinência insana apenas por estar ausente”.

“Venha comigo, companheira” – chamei, oferecendo-lhe minha mão – “adentremos as terras de Morfeu, onde a distância não separa duas almas amantes”.

Olhando então para o espaço além dos portões que libertam as almas, ela me deu a mão, mas não sem antes fazer uma última pergunta: “E se ele não estiver lá?”. “Não se preocupe” – afirmei, já nos encaminhando para transpor a entrada – “ele vai estar lá!”.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A Grande Contradição da Greve dos PMs na Bahia

Por Rafael Rivas

Greve armada não é greve legal e legítima


Existe uma grande contradição nesta greve dos PMs da Bahia. Na verdade, existem algumas. A primeira, se ela é legítima ou não. A segunda, se é legal ou não. A terceira, é sobre a cobertura e opinião da mídia sobre o caso. A quarta, se deve se tratar esta reivindicação como se tratam as outras, de menor potencial ofensivo. Por último, uma possível solução.


Da Legitimidade da Greve

A analise de se é ou não legítima a greve deve iniciar pelo debate racional da medida adotada pelos reivindicantes. Eles seguiram um caminho tomado por todos os manifestantes grevistas? Inicialmente, se agruparam em associações de classe, reivindicaram aumentos ao governo, pressionaram os políticos, mostraram que, sem seu trabalho, a coisa ficaria um caos. De fato ficou! Até aí, tudo normal para uma paralisação de serviço público.

A parte ilegítima dessa greve consiste na utilidade da função exercida pelos policiais na sociedade. Assim como na área da saúde, a paralisação da segurança pública traz consequências imediatas e fatais, extremamente nocivas à vida da população.

Portanto, havendo ou não o direito que eles reivindicam, paralisar totalmente um serviço fundamental à vida é ilegítimo, imoral e extrapola o livre exercício da greve.


Da Legalidade da Greve

O direito à greve deve ser garantido pelo Estado. Até agora, nunca se legislou sobre a greve de funcionários públicos, mas se utiliza por analogia a legislação trabalhista, ou seja, dos celetistas. Há necessidade extrema de visibilidade e pressão ao governo para melhorias do funcionalismo público, isso é patente.

Ocorre, entretanto, que o movimento grevista dos PMs da Bahia extrapolou a legalidade de uma paralisação amparada pela lei e pelo Estado. Os policiais não reivindicam desarmados, não invadiram a Assembleia Legislativa como fariam professores, não estão lá como civis. Os PMs que estão amotinados na Assembleia são homens armados, pessoas sem licença para utilizar a arma de serviço para tais fins.

Logo, a greve dos PMs também está na ilegalidade, pois a reivindicação é armada, é abusiva e viola os princípios mais básicos de uma democracia.

O líder grevista, Marco Prisco Caldas Machado, sequer está lotado no Corpo de Bombeiros, cargo do qual foi exonerado após uma tentativa de assassinato do seu superior, em um levante semelhante ao presente em 2001.


Da Mídia

A mídia tem noticiado o caso, sem tentar pender para o lado político da greve, que é público e notório. O líder da greve é filiado ao PSDB, oposição ao Governo baiano do PT. O PSDB nunca foi dado a greves, só que neste caso está diretamente relacionado, ainda que não tenha se manifestado públicamente como fez do DEM.

Estão falando das vítimas, das consequências, dos calores da manifestação, do exército nas ruas, na contenção dos manifestantes pelo exército e etc. Por óbvio, a mídia não é imparcial, só que, por ser contra o PT, desta vez se foca mais na opinião antiga do governador baiano sobre as greves do que na ilegalidade ou ilegitimidade da greve em si.
Ou seja, ao invés de tocar nas manifestações de reivindicações sociais e salariais que são as greves, falam de como o governo reage e é hipócrita estando na situação. Falar bem de greve nunca foi praxe da mídia gorda, mas na ótica deles, esta greve deve ser amplamente divulgada, pois se trata de um tiro no pé do governo petista quando em oposição.

A mídia, por conseguinte, faz seu papel de sempre, ocultando um pouco das manifestações contrárias às greves que sempre são seu foco, quando o governo da situação é aquele que defende seus interesses.


Das Reivindicações Sociais

É comum vermos a polícia militar do Brasil repreender qualquer manifestação que ultrapasse o limite do aceitável (por eles, é claro). Ainda que seja constitucionalmente protegido o direito da livre manifestação, reunião e mobilização por uma causa, corriqueiramente vemos a polícia literalmente descendo o cacete nos “manifestantes”, sejam eles professores, defensores da liberação das drogas, estudantes, trabalhadores civis ou funcionários públicos.

Tendo em vista que a greve dos PMs não é nada além de outra greve comum, não seria de se indignar uma represália, uma resposta hostil aos manifestantes. Na falta de policiais havidos de porrada e sangue, que se utilize o exército, mantenedor da ordem pública.

Então, qualquer reação do exército brasileiro a essa manifestação armada não seria nada mais do que a própria polícia militar já está acostumada a fazer, com a diferença apenas do lado em que está e na condição de armados que estão.


Da Solução

É consabido que a oposição sempre pressiona o governo do poder auxiliando as reivindicações sociais nas suas empreitadas. Aqui no RS, por exemplo, havia muita gente do PT a favor dos professores grevistas, quando o governo era tucano. Agora, o CPERS divulga amplamente que o Governo de Tarso Genro (PT) é mais um inimigo da educação!

Ora, o problema dos vencimentos dos servidores públicos é e sempre será motivo de reivindicação, pois nunca chegará ao patamar desejável. Não com essa mentalidade política e econômica. Haverá insatisfeitos sempre, pois nosso erário não condiz com a política salarial reivindicada por todo funcionalismo público. Não há como praticar todos os reajustes almejados. Estando oposicionistas ou situacionistas no poder, a reivindicação será sempre um hábito.

Urge uma reforma política, tributária e previdenciária no Brasil, e é isso que transformará nossos cofres públicos em um reformador dessa condição de precarização da saúde, educação e segurança pública. Apesar de eu ser favorável às greves, legítimas e legais - aquelas que são repreendidas na porrada -, não creio que greves sejam o melhor caminho. É algo imediato e paliativo, não atinge a raiz do problema e só protela o inevitável: uma nova greve!

É necessária uma reforma urgente na política e no nosso sistema falho como um todo, melhorando e aperfeiçoando os mecanismos econômicos da gestão de recursos. É preciso reduzir drasticamente as verbas do Executivo e Legislativo, aplicar de uma forma mais responsável e investidora do dinheiro público, assim como é forçosa uma fiscalização apurada do Judiciário, apurando-se eventuais irregularidades. Afastar, de uma vez por todas, esse curral político atual, essa baderna que é nosso cenário representativo.

A problemática da política no Brasil não é moral ou metafísica, tampouco política; é um problema sistêmico, que está inserido no germe da mentalidade individualista da sociedade atual.

Essa greve, diferente das outras, é meramente política, um teatro perigoso de pessoas mal intencionadas. Na voz dos próprios colegas dos amotinados, os grevistas são “baderneiros”, “delinquentes” que põem em risco a vida da população.

O líder grevista, Marco Prisco Caldas Machado, é pré-candidato pelo PSDB a uma das cadeiras da Câmara de Salvador este ano, ou seja, quer ser um bem remunerado vereador soteropolitano, o que mostra que não se reivindica uma solução, senão apenas uma forma de se continuar enganando e utilizando a massa como manobra política de interesses privados e escusos.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O Drama de Angélica



Ouve meu cântico, quase sem ritmo, que é a voz de um tísico magro esquelético. Poesia épica, em forma esdrúxula, feita sem métrica com rima rápida.

Amei Angélica, mulher anêmica, de cores pálidas e gestos tímidos. Era maligna e tinha ímpetos de fazer cócegas no meu esôfago.

Em noite frígida, fomos ao Lírico ouvir o músico, pianista célebre. Soprava o zéfiro, ventinho úmido, então Angélica ficou asmática.

Fomos ao médico, de muita clínica, com muita prática e preço módico. Depois do inquérito, descobre o clínico o mal atávico: mal sifilítico.

Mandou-me célere comprar noz vômica e ácido cítrico para o seu fígado. O farmacêutico, mocinho estúpido, errou na fórmula - fez despropósito. Não tendo escrúpulo, deu-me sem rótulo ácido fênico e ácido prússico.

Corri mui lépido mais de um quilômetro num bonde elétrico de força múltipla. O dia cálido deixou-me tépido. Achei Angélica já toda trêmula.

Da terapêutica dose alopática lhe dei uma xícara, de ferro ágate. Tomou no fôlego, triste e bucólica, esta estrambólica droga fatídica. Caiu no esôfago, deixou-a lívida, dando-lhe cólica e morte trágica.

O pai de Angélica, chefe do tráfego, homem carnívoro, ficou perplexo. Por ser estrábico, usava óculos: um vidro côncavo, outro convexo.

Morreu Angélica de um modo lúgubre, moléstia crônica levou-a ao túmulo. Foi feita a autópsia, todos os médicos foram unânimes no diagnóstico.

Fiz-lhe um sarcófago, assaz artístico, todo de mármore, da cor do ébano. E sobre o túmulo uma estatística, coisa metódica, como Os Lusíadas.

E numa lápide, paralelepípedo, pus esse dístico, terno e simbólico:

"Cá jaz Angélica,
moça hiperbólica
beleza helênica,
morreu de cólica!".










Música de Alvarenga e Ranchinho.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Sr. Policial

Me explique você, que é policial militar, que é um protetor do povo, do cidadão de bem, por que bater em manifestante que reivindica direitos? 


Por acaso, quando bombeiros reivindicam, quando policiais civis reivindicam, quando vocês próprios reivindicam melhores salários e condições dignas de trabalho, estão ali para fazer baderna, ou para exigir o cumprimento de uma obrigação? 


Qual é a lógica de descer o cacete em professor, em gente pobre sem teto, em gente que quer terra improdutiva pra plantar, sendo que eles estão tão fudidos na vida quanto tu, que ganha pouco e é extremamente desvalorizado pelo Estado?


É apenas uma forma de revidar esse descaso servindo cegamente ao Estado? Ou é uma nova modalidade de escravidão?


Quando eu vejo um brigadiano batendo num professor, num pobre, num ocupante, eu vejo duas pessoas mal pagas, desvalorizadas, que brigam e choram pela mesma coisa. Vejo um apanhar como marginal, e outro batendo com sangue nos olhos. Uma raiva que nada tem a ver com o espancado. Vejo que um defende seus interesses, os interesses de uma classe, enquanto o outro defende os interesses daqueles que o fodem sem pestanejar.


A Constituição defende o policial que se recusar a cumprir uma ordem de caráter desumano. Seja um respeitador da Constituição, Sr. Policial, não um mero fantoche do Estado repressor ou do seu superior manipulado.


Sem manifestações, sem democracia.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

SOPA e os Paradoxos da Sociedade de Mercado




Usarei aqui o termo Sociedade de Mercado porque é um conceito mais utilizado pelos “imparciais” que a denominação Capitalismo - que agora é tido como um conceito ideológico de esquerda, apesar de significar exatamente a mesma coisa que Sociedade de Mercado.

A Sociedade de Mercado, ou seja, o sistema político-econômico vigente no mundo ocidental criou algo extremamente paradoxal na nossa sociedade: a liberdade irrestrita e a necessidade de regulamentação dessa liberdade, a flexibilização da propriedade privada e a defesa da propriedade privada.

O sistema de política liberal pressupõe a liberdade dos indivíduos inseridos em sociedade livre e democrática. Essa sociedade deve ter, ao contrário das ditas ditaduras de esquerda ou de extrema direita, a liberdade de expressão, de manifestação livre. Até nossa Constituição Federal protege isso.

Ocorre, entretanto, que essa liberdade acabou por criar indivíduos críticos e que detém um forte aparato erudito para criticar justamente essa sociedade de mercado. Esses críticos são vistos, agora, como inimigos da ideia de mercado livre, porquanto não resignados pelo sistema proposto. São como Yoani Sánchez, só que com ideias inversas.

E como se formou esse paradoxo? O sistema de mercado livre, com intervenção do Estado na economia, ou capitalismo, caso algum saudosista ainda queira denominar assim (eu prefiro capitalismo), nada mais é do que uma ideologia. Sim, é uma ideologia, na medida em que estão dentro do conceito ideias de construção econômica, jurídica e política de uma sociedade. Dessa “ideologia” de mercado intervencionista, ou até mesmo anarco-capitalista, surgiram muitos teóricos, em sua maioria economistas, como John Maynard Keynes, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Liebman, etc.

Essa ideologia de mercado, conjunto de ideias pragmáticas e organizadas para serem exercidas na política econômica e na sociedade, é amplamente divulgada em nossa grande mídia, ao passo que temos, hodiernamente, centenas de propagandas de produtos criados em benefício do consumo, fruto do livre mercado. Além disso, muitos teóricos dessa ideologia, que utilizam a mídia para repisar os argumentos desse modelo.

Mídia "imparcial".
Portanto, a mídia “gorda” é, em última instância, o folhetim ideológico dos grandes interesses econômicos, pois não haveria sentido em ter-se uma sociedade de mercado sem consumidores, ou gente ideologizando cabeças sobre a certeza de sucesso do sistema vigente.


Essa mídia gorda e ideologicamente neoliberal, diuturnamente nos bombardeia com um sistema de ideias voltadas aos interesses dos grandes possuidores, ou seja, empresários de ramos influentes.

A grande mídia é, pois, para a direita neoliberal o que a esquerda é para os militantes, sindicalistas e trabalhadores politizados.

Nesse comenos, erigiu-se algo que, até então, seria inofensivo aos grandes interesses: a internet! Um grande sistema de computadores interligados que seria a cara da globalização, sem, contudo, por em risco a mídia tradicional. É a união entre povos distintos, a troca de culturas por meio virtual. Sem falar na alta popularidade, que facilita a propagação de produtos e ideias. Com a conexão dos povos por um sistema tecnológico, facilmente se chegaria a uma integração dos interesses do mercado em se comunicar com outras nações, promovendo a chamada “globalização”. De mercado, é claro.

Acontece que essa globalização perdeu os rumos esperados. A liberdade social que o liberalismo criou acabou voltando-se contra ele próprio, ao ponto de o mercado, através da política, ver-se obrigado a fazer uma limitação a essa liberdade.

Eis que, então, surge o projeto de lei norte americano SOPA (Stop Online Piracy Act), que visa à proibição da “pirataria” on-line. Essa pirataria consiste em ofensa à propriedade intelectual privada de autores sobre suas obras. Com o projeto aprovado, a internet perde metade de sua utilidade, e passa a ser vigiada.

Esse é o paradoxo. O próprio sistema de mercado e de consumo criou a tal “pirataria”, que nada mais é do que a promoção dos autores às mais longínquas audiências do mundo, sistema esse que é encabeçado pela própria globalização. Como globalizar informações sem que elas firam direitos de propriedade? As pessoas querem conhecer aquilo que irão consumir. E, de fato, a maioria das pessoas que “baixam” coisas da internet acaba por se apaixonar pelas coisas que sequer teriam conhecimento, não fosse a pirataria. Aquilo que não agrada, apesar de correr o mundo, não será consumido.

Dentro dessa nova realidade da pirataria, há os que se adaptaram, transformando aquilo que lhes onerava em algo extremamente rentável. Mas há também aqueles que não se adaptaram a essa nova realidade, e brigam para voltar à época em que tudo era restrito e controlado.

Esse paradoxo do mercado privado mostrou aquilo que a própria sociedade é atualmente. Criou-se, por esse excesso de liberdade e essa ferramenta de compartilhamento que é a internet, um sistema novo, além das fronteiras do grande capital, dos interesses privados. Em contraponto dos pressupostos liberais, querem que o Estado aja como Imperador para barrar as sangrias dos cofres privados. Ou seja, quando a coisa começa a apertar, eles querem um Estado atuante e repressor, algo próximo das regulamentações do Estado cubano.

Além da proibição de sites de compartilhamento de músicas e obras que não tenham direitos sobre a propriedade alheia, existe a sanção aos grupos econômicos de financiamento que contribuem com esses sites piratas. E o pior, qualquer página da internet tida como “suspeita” será derrubada, sem prévia ação judicial e aviso, promovendo uma restrição, inclusive, da crítica a qualquer outra maneira de ver o sistema de mercado que não seja do interesse do próprio mercado.

É de se ressaltar que a internet nos EUA estará livre disso, pois a lei se aplica somente aos outros países.

Creio que está surgindo uma proposta de sanção às liberdades propostas pelo próprio sistema de mercado, que é regida pelos interesses dos EUA, a grande potência econômica mundial. Terão sucesso nessa empreitada? Ou as manifestações coletivas na internet contra esse sistema conseguirão derrubar e vetar esse projeto?


Pois é, mercado, pariste um filho rebelde. Agora aguenta!

O Brado Retumbante de Aécio na Globo


Qualquer semelhança do Presidente fictício de “O Brado Retumbante” com Aécio Neves é mera coincidência. Ou não.

No 4° capítulo da série, a “Primeira Dama” critica o livro didático que estaria promovendo a deseducação dos alunos. Ora, essa polêmica idiota levantada pela PIG sobre o livro do MEC já deveria ter sido esquecida, tendo em vista que se tratava de uma total ignorância do que realmente tinha no livro didático da vida real e nada teve a ver com corrupção.
Ficou claro na série que a autora fictícia do livro didático estaria em conluio com o Ministro da Educação, enriquecendo com o dinheiro público. O que eles estão querendo dizer? Eles tentaram explicar ao povo desinformado o que aconteceu nesse caso real, sem que isso correspondesse à realidade dos fatos, que estão bem longe desses da ficção.


Além disso, a Primeira Dama ainda fala das ideologias mortas que a autora do livro estaria propagando para as crianças. Falar certas coisas contra a mídia gorda e o grande poder do capital, realmente, assusta. Bem que eles podia falar do Occupy Wall Street, mostrando também algumas trapalhadas da economia mundial.

Trata-se de uma descarada obra de manipulação das pessoas menos interessadas por política. E talvez dê certo, pois é quase certa a candidatura de Aécio Neves para presidência em 2014. Virá como o novo "Vassourinha", o "Caçador de Marajás", o neto de Tancredo Neves, o homem que vai moralizar a política brasileira.

E outra, que trama meio idiota, pois qual presidente que viajaria com o vice no mesmo helicóptero, ou avião, ou qualquer outro meio de transporte?

Acompanharei a série, para continuar captando essas e outras "semelhanças". Com certeza essa minissérie ainda terá muitas outras manipulações. Vejamos até onde vai a cara de pau da Rede Bobo.




Aécio Neves, futuro candidato à presidência pelo PSDB
Paulo Alberto Ventura, Presidente Fictício



sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

E agora, o que eu vou fazer se te amo?


Eu gosto de ver como algumas músicas se parecem nas letras. Mas gosto mais ainda de transformar duas ou mais letras que se parecem em uma só canção, como fiz em "Francis e Cristina" e "A História do Menino Jesus". É o que eu fiz nessa, juntei "N", do Nando Reis, com "Eu te amo", do Chico Buarque.











E agora, o que eu vou fazer?
Se já perdemos a noção da hora,
Se juntos já jogamos tudo fora,
Se os seus lábios ainda estão molhando os lábios meus
E as lágrimas não secaram com o sol que fez,
Me conta agora como hei de partir?


E agora como posso te esquecer?
Se ao te conhecer dei pra sonhar, fiz tantos desvarios,
Rompi com o mundo, queimei meus navios,
Se o teu cheiro ainda está no travesseiro
E o teu cabelo está enrolado no meu peito,
Me diz pra onde é que inda posso ir?


E agora, como eu passo sem te ver?

Se o seu nome está gravado no meu braço como um selo,
Nossos nomes que tem o "N" como um elo,

Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas,
Diz com que pernas eu devo seguir?


E agora como posso te perder?
Se entornaste a nossa sorte pelo chão,
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu,
Se o teu corpo ainda guarda o meu prazer
E o meu corpo está moldado com o teu?
Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas...


Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu?


Como, se nos amamos feito dois pagãos,
Teus seios ainda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair?


Não, acho que estás te fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir.