Por Rafael Rivas

Vinícius era um homem
apaixonado. Gostava de relacionamentos longos, conhecer e aprender de sua
amada. Observava com afinco os gestos, a postura, a maneira de andar. Esforçava-se
para se apaixonar sempre pela mesma mulher. Resignava-se fácil, não gostava de
tolices.
Estava namorando há sete
anos a mulher que lhe rendeu um noivado. Dedicava-se como se aquela fosse a
última, a beijava como se fosse a única. Romântico que era, dava flores
inesperadas, surpreendia com presentes fora de data, comentava os cortes de
cabelo – ainda que fossem apenas nas pontas -, elogiava constantemente as
roupas, sapatos, ligava para dizer um eu te amo, mandava mensagens agradecendo
pela oportunidade de ser feliz ao lado dela. Quando ia trabalhar, deixava no
quarto dela poesias de amor e sexo que improvisava em post-its, e partia vendo
ela agarrada aos lençóis, como se fizesse parte de uma pintura, na qual a cama
era a moldura.
Entretanto, ela sempre foi
pouco habituada aquele amor todo. Desdenhava no início, mas veio a se acostumar
com o noivo meloso com passar dos anos. Achava brega, antiquado, um tanto
obsceno. Não era dada a palavras eróticas. Tinha personalidade recatada,
negligente, um quê de pachorrenta.
Tal espírito desidioso da
namorada acabou por aplacar esse ímpeto poético no jovem Vina. Já perdera o
tino para improvisos, não escrevia mais nada. Ele foi se desapaixonando aos
poucos, mas não só por ela, por si mesmo, pela sua atitude servil. Do noivado sobrou apenas amizade, ou seja, amor sem sexo. E de amizade nenhum homem vive por
muito tempo. Sentia cãibras no seu espírito criativo, havia adormecido nele
aquele tino para a arte. Vina queria mais, queria se reapaixonar, só que por
outra mulher, por si, pela vida. Sentir novamente aquele frio na barriga, se
interessar pelos gestos, pelo corpo de outra mulher, voltar às poesias de amor
e sexo. Rompeu o noivado estanque e partiu rumo à vida.
Foi então que ele conheceu
Carla… e Camila e Joana e Bárbara e Amanda e Vanessa… Vinícius apaixonou-se não
só uma vez, mas várias, diversas, por todas, umas diferentes das outras, suas
peculiaridades, suas curvas, minúcias, a maneira de andar e quedarem-se
sentadas. E nunca estivera tão inspirado a fazer poesias. Não de escrevê-las em
post-its ou cartas, mas dizê-las às amadas, sussurrar no pé d’ouvido, em letras
garrafais, caligrafias virtuais, tons retumbantes. Sentia o fundo d’alma delas
estremecer aos percucientes verbos empregados em suas prosas, às exclamações,
às rimas, cada estrofe um gozo. Valia-se de palavras de baixo calão, vulgares,
chulas, dignas do funk mais bagaceiro, unidas a palavras rebuscadas,
aprimoradas, requintadas, aveludadas por sua voz macia e firme, em literatura
pura e métrica. Fazia uma montanha russa de emoções naquelas orelhas atentas.
De fato, as palavras polidas eram as que mais faziam efeito, pois elas quase
não entendiam, não fosse o contexto.
Passou a deixar de lado as
flores e as mensagens e as ligações e os comentários sobre os cabelos e os
vestidos, pois elas o procuravam apenas para que ele falasse aos seus ouvidos
as palavras mágicas. Enquanto ele se deliciava em seus corpos, beijando as
coxas, as nádegas, as costas, declamava seus famosos versos e prosas, sentindo
nos pelos a repercussão das palavras. Deixou papel e caneta, tudo estava em sua
cabeça, e era gravado naqueles corpos desde o espírito que ele fazia seu livro.
Cada orelha uma página em branco, esperando ser preenchida com aquela retórica
persuasiva que lhe vinha de súbito, no improviso. Cada palavra entrava n’alma e nunca mais
saía, provocando calafrios mesmo depois de horas, só de lembrança vaga.
E cada vez mais ouvintes lhe
procuravam; senhoras, acadêmicas, enfermeiras, putas pagavam para ouvir dele as
palavras mais belas e sórdidas. Tornou-se famoso na boemia da cidade, fazendo a
diversão dos ouvintes atentos nos bares. Logo ficou conhecido em toda capital,
passando a dar entrevistas a jornais e saindo de quando em vez em colunas de
suplementos literários. Em um ano já fazia apresentações em programas
televisivos, ia a talk-shows, escrevia no espírito das apresentadoras suas
poesias.
Aquela
vida pretérita do Vinícius estava tão longe quanto perto o desfecho do seu livro. Nem se lembrava da noiva, que tanto lhe sufocara o espírito criativo. Tinha tantas
admiradoras que sequer lembrava-se da mulher da véspera.
Continua em O Homem que Escrevia no Espírito (Parte 2)
Continua em O Homem que Escrevia no Espírito (Parte 2)
Realmente muito bom!
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