Por Laura Carvalho
Um grito me despertou no
meio da madrugada. Acordei assustada: “De onde vem esse grito?” – pensei. Ainda
trôpega de sono, olhei pela janela: tudo em paz. Silêncio no quarto e na rua,
nenhum movimento a não ser meu peito descompassado. Confusa, voltei para a
cama, ainda com ecos daquele grito na mente. Quando consegui relaxar e estava
para ultrapassar aquela doce fronteira que separa o sonho da realidade,
encontrei a fonte do grito: era minha alma, que tão profundamente tocada, ao se
ver sozinha, clamara por quem a marcou.
Com olhar distante, ela me
indagou: “Por que fizeste isso? Como podes me expor a semelhante sublime
maldição? Eu, que sou tua essência, tua guia, teu ser. Agora me ofereces um
encontro apenas na fluidez das quimeras? E se quando acordares ele não estiver
lá? Vais sofrer e eu junto, com a lembrança de um sonho a escapar-te a medida
em que despertas”.
“Tola” – respondi-lhe. Acaso
não sabe que duas almas quando se tocam já não são dois elementos isolados, mas
duas partes de um todo único e indissolúvel? Ele vai estar comigo a cada sorriso que outros
enxergarem em meu olhar, a cada pensamento suspirado, a cada desejo contido até
o momento de nossos corpos se encontrarem novamente. E quando a saudade não
couber mais no peito, a ponto de extrapolar as barreiras, vou te enviar ao
encontro do nosso elemento perdido finalmente encontrado, aquela parte dele
que, de tão igual a ti, te causa tal abstinência insana apenas por estar
ausente”.
“Venha comigo, companheira”
– chamei, oferecendo-lhe minha mão – “adentremos as terras de Morfeu, onde a
distância não separa duas almas amantes”.
Olhando então para o espaço além dos portões que libertam as almas, ela me deu a mão, mas não sem antes fazer uma última pergunta: “E se ele não estiver lá?”. “Não se preocupe” – afirmei, já nos encaminhando para transpor a entrada – “ele vai estar lá!”.
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