quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Sinal da Cruz

Sabendo que a polícia está aquartelada, José espera sozinho na parada escura, sob o frio intenso da noite, com um temor tenso de exício na espinha. José sente um calafrio, se benze e faz o sinal pro seu ônibus que tá chegando parar. Entra e percebe a preocupação compartilhada pelos passageiros no momento em que embarca. Todos o acompanham sentar no único lugar vago, ao lado do cobrador. Qualquer um é um suspeito.

A longa jornada segue como todos os dias. É comum o burburinho das pessoas nesse horário, o descarrego exausto na alegria do fim de um dia de trabalho. Porém, hoje José repara que paira um silêncio absoluto, quebrado apenas algumas vezes pelo som da frenagem ou o sinal solicitando o desembarque. O medo se acumula nos músculos cansados dos corpos. Os comentários, relatos e as notícias sobre assaltos a ônibus, alguns com tiros e gente morta, se espalharam nas últimas semanas por todo lado.

Cada sinal que alguém aperta indicando que vai descer é um pulo de susto nos mais atentos. José olha para o lado direito, vê passar fora da janela uma igreja e faz o sinal da cruz ao mesmo tempo em que vê pelo reflexo a arma em punho do passageiro de trás que levanta anunciando o assalto e causa em José uma reação espontânea: ao levantar a mão ainda em prece ele bate na arma do assaltante, disparando acidentalmente um tiro no seu próprio peito. Caído ao chão, no átimo de vida que se extingue em um amém, José olha para o teto do ônibus e pergunta: por quê?